A China comunicou, esta quinta feira, 13, que na cidade de Shenzhen, perto de Hong Kong, vestígios do novo coronavírus foram encontrados em asas de frango congeladas e importadas do Brasil. Citando o Centro de Prevenção e Controlo de Doenças de Shenzhen, o jornal inglês Global Times explica que os vestígios foram detetados à superfície de uma amostra, após esta ter sido submetida a testes de ácido nucleico.
“Entre ter sido encontrado ácido nucleico (RNA) e esse RNA ser capaz de causar infeção vai uma grande distância. O facto de existir RNA na superfície da carne, só por si, está muito longe de levar à conclusão de que a ingestão do mesmo provocará infeção”, afirma Manuel Carmo Gomes. O professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa explica ainda que os vírus respiratórios, como o SARS-CoV-2, têm uma grande propensão para entrar no corpo humano através de determinadas zonas, nomeadamente a mucosa respiratória e os olhos. “Se for direito ao estômago, muito provavelmente, os ácidos destroem-no. A probabilidade de apanhar infeção desta forma é baixíssima”, remata.
Nos últimos meses, os surtos em matadouros e fábricas de processamento de carne têm-se multiplicado, mas a questão parece prender-se com o contágio entre humanos, resultado das condições de trabalho, e não tanto com a passagem de ácido nucleico para a carne.
O British Medical Journal dedicou o editorial de dia 9 de julho a este tema, num artigo que conta, entre os autores, o português Henrique Lopes, investigador da Unidade de Saúde Pública do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa. Segundo os autores do estudo, “os matadouros e as fábricas de processamento de carne são ambientes favoráveis à transmissão do SARS-CoV-2. O vírus prospera a baixas temperaturas e em condições de humidade extremamente altas ou baixas”.
Pode ainda ler-se que as superfícies metálicas retêm o vírus vivo durante mais tempo, relativamente a outros ambientes, e que o facto de os trabalhadores terem de falar muito alto, ou mesmo gritar, a fim de serem ouvidos sobre o barulho das máquinas, contribui para uma maior e mais intensa libertação de gotículas, em espaços normalmente sobre-lotados e sem condições para a prática do distanciamento físico de segurança.
O estudo afirma, por fim, “outras questões ambientais que devem ser urgentemente exploradas incluem a possibilidade de propagação pelo ar e o papel dos sistemas de filtragem do mesmo”. É sobre esta questão que se debruça um relatório preliminar, publicado a 4 de agosto e ainda a aguardar certificação científica, no qual uma equipa de virologistas da Universidade da Florida afirma ter evidências científicas da presença ativa do novo coronavírus em aerossóis.
Transmissão por aerossóis parece ser inegável
De acordo com a pré-publicação do artigo científico, o RNA do vírus em aerossol tem a capacidade de infetar, pois está em suspensão no ar sem estar deteriorado. “Ou seja, foi emitido por alguém que estava próximo e tossiu ou simplesmente falou, deixando esse RNA suspenso em partículas muito pequeninas”, explica Manuel Carmo Gomes. Para chegarem aos resultados, os investigadores utilizaram uma técnica de isolamento do vírus através da condensação do ar, conseguindo, pela primeira vez, capturar gotículas mínimas, sem danificar o vírus nelas contido.
Quanto à importância deste tipo de transmissão, e comparando-o à questão da carne, Carmo Gomes afirma, “este estudo vem confirmar a ideia que a transmissão por aerossol é muito séria e real. Se inalarmos uma dose razoável de RNA em suspensão no ar, isso sim, é infeccioso, pois este está inteiro e entra pelas vias respiratórias, que é por onde o vírus gosta de entrar, não é pelo estômago ”.
O aparecimento de evidências de que os aerossóis podem estar contaminados com o novo coronavírus levanta a questão da prevenção do problema. O modo como ser irá ventilam os espaços fechados torna-se uma questão prioritária, até porque John Lednicky, líder do estudo, revelou ao The New York Times que o facto de a sala onde este foi realizado ter boa ventilação, provavelmente, contribuiu para que fossem encontradas apenas 74 partículas de vírus por litro de ar.
Lednicky acredita ainda que espaços pequenos, com pouca ventilação e cuidados com a qualidade do ar, como as escolas, podem acumular uma maior quantidade de vírus transportado pelo ar.
Resolver o problema é caro
Apesar de a Organização Mundial de Saúde ter vindo a dar pouca relevância ao papel dos aerossóis e sistemas de ar condicionado na propagação do SARS-CoV-2, Manuel Carmo Gomes acredita que as novas evidências científicas podem fazer a instituição abandonar o ceticismo.
No entanto, reconhecer a transmissão de Covid-19 por aerossol como um perigo considerável, significará que a OMS terá de investir na resolução do problema. Esta resolução poderá passar por equipar edifícios públicos, a nível mundial, com ares condicionados e sistemas de ventilação capazes de filtrar aerossóis, representando um investimento avultado, nomeadamente em países com falta de recursos económicos.