Já experimentou aquele nervoso miudinho quando aquilo que costuma fazer, aquilo que faz efetivamente e as suas crenças entram em conflito? Se sim, isso tem um nome: dissonância cognitiva. O resultado é um sentimento de desconforto psicológico do qual só é possível sair alterando qualquer coisa na equação.
O termo foi introduzido por Leon Festinger, na década de 50: atribuímos significado a ideias contraditórias e pautamos as nossas vidas com base nelas. Um exemplo comum é o dos fumadores: sabem que o seu comportamento compromete a saúde e pode conduzir ao aparecimento de doenças, como o cancro. No entanto, ignoram esse facto e continuam a fumar.
A pandemia tem sido terreno fértil para situações deste tipo: numa base diária, assistimos a situações contraditórias em que as pessoas defendem uma coisa e acabam por fazer outra, sem que se possa dizer que foram congruentes. Desde que surgiu a Covid-19, tornou-se evidente, a partir de certa altura, que o risco de contaminação podia ser reduzido através do uso de máscara. No entanto, não falta quem se recuse a usá-la ou não cumpra, sequer, o distanciamento social. Convencem-se de que o vírus é apenas “mais um” e não conseguirá afetar a sua saúde. Embora tenham a noção de que podem comprometer a saúde dos outros, não aceitam as informações e as medidas de proteção contra o vírus e embarcam em comportamentos incorretos em vez de admitirem que, de facto, seria mais sensato adotarem as regras de segurança.
O “eu” é o foco da dissonância cognitiva. Ela torna-se mais severa quando as evidências começam a atingir a forma como nos vemos a nós mesmos, isto é, quando ameaçam o destronar a ideia de que somos éticos, inteligentes e pensamos de forma racional. No momento em que nos confrontamos com uma decisão, arranjamos sempre maneira de justificar que a nossa escolha foi a mais acertada, ao mesmo tempo que procuramos motivos para justificar que a outra alternativa não era a mais viável. Assim, qualquer dúvida que tenhamos no momento da derradeira decisão, ela transforma-se imediatamente numa certeza. Depois de justificadas as escolhas, torna-se mais complicado reconhecer que estavam erradas desde o início.
É habitual que pessoas com uma forte conexão com um partido político, líder, ou crença, deixem a consideração por esses ideais falar mais alto, levando-os a distorcer ou a ignorar as evidências que desafiam essa integridade. Por exemplo, é mais provável que um indivíduo praticante da religião católica, apoie um partido político que é contra a legalização do aborto, do que um partido a favor da sua legalização.
Voltando ao cenário pandémico, muitos americanos encararam as questões de saúde colocadas pelo novo coronavírus como escolhas políticas e não médicas. E, para muitos, há sempre a incerteza acerca de em quem devem acreditar: nos cientistas e especialistas em saúde pública, cujos conselhos mudarão à medida que conseguem cada vez mais informação acerca do vírus? Ou no presidente Donald Trump e os seus seguidores, que sugerem que as máscaras e o distanciamento social são desnecessários ou devem ser opcionais?
Nestes novos tempos, é normal querer voltar aos hábitos pré-pandemia. Juntar os amigos e ir para os bares e esplanadas, viajar sem restrições, abraçar e beijar os familiares… No entanto, sabemos que não o devemos fazer. De que forma podemos, então, resolver esta situação de dissonância? Podemos optar pelo caminho mais lógico: evitar multidões, festas e bares e usar a máscara. No entanto, também podemos fazer o oposto e arranjar uma justificação que legitime a razão pela qual estamos a agir de uma dada maneira. De certo modo, precisamos de encontrar pretextos para os atos pouco corretos alegando, por exemplo, que não vamos usar máscara por dificultar a respiração, ou argumentando que a liberdade individual não está a ser tida em conta, o que é uma injustiça.
De que forma podemos, então, reduzir a dissonância em tempos de pandemia? Talvez abandonar a ideia de que as primeiras decisões que tomamos são as mais acertadas. Não descartar outras opções. E tentar descobrir novas maneiras de viver com as incertezas. Além disso, fazer escolhas informadas, com base em informações científicas fornecidas pelos peritos da saúde, tendo a consciência de zelar pela nossa saúde e a dos demais. À medida que os cientistas vão aprendendo mais acerca da Covid-19, é provável que tenhamos de desistir de certas práticas e dar lugar a outras, de forma a controlar a pandemia da melhor maneira possível.