Por que raio Tom Cruise arriscou-se a sofrer uma grave lesão naquela cena do sexto filme, Fallout (2018), da série Missão Impossível? O ator costuma rir-se do episódio, e diz que estava preso por cabos (invisíveis). Mas que teve muita sorte, lá isso teve. Em vez de um treinado duplo, Cruise insistiu em que fosse ele próprio a fazer uma cena em que saltava de um telhado para outro de dois altos edifícios, separados por uma rua. Se falhasse, a queda seria abrupta e de consequências imprevisíveis. O ator embateu contra a fachada do edifício para o qual saltou, e logo ali partiu o tornozelo direito, conseguiu com um braço agarrar-se a um tubo de ferro, e, por fim, teve força para subir ao telhado. A coxear e com a dor estampada no rosto, continuou a fazer a cena, que não só seria aproveitada para o filme, como serviu de trailler de Fallout.
Michael J. Fox também dispensou um duplo numa cena de Regresso ao Futuro III (1990), em que inimigos da sua personagem, Marty, tentam enforcá-la. Com Fox elevado no ar e preso pelo pescoço por uma corda, algo correu mal. Um grande plano mostrava o ator a tentar aliviar com as mãos o apertado nó da corda na garganta, e o seu rosto era o de quem estava verdadeiramente a ser asfixiado. Mas a equipa de filmagem, a começar pelo realizador, Robert Zemeckis, achou que assistia a uma representação fenomenal. Para grande sorte de Fox, e como estava escrito no guião, um tiro cortou a corda, o ator estatelou-se no chão, levantou-se e, a cambalear, dirigiu-se a Doc (Christopher Lloyd) e disse a fala prevista. Só depois de terminada a cena, a equipa soube, pelo próprio, que Fox quase morreu ali.
Se Tom Cruise falha aquele salto, as consequências seriam imprevisíveis. Mas tudo acabou apenas com um tornozelo partido – e uma bela cena
Também não deixa de ser impressionante a cena de pancadaria, na rua, em que Gianni Russo, no papel de Carlo Rizzi, em O Padrinho (1972), de Francis Ford Coppola, é sovado por Sonny Corleone (James Caan), o filho mais velho de Don Vito Corleone (Marlon Brando). Na fuga ao perseguidor, Russo/Rizzi atirou-se contra uma parede com tal violência que, terminada a cena, seria transportado para um hospital com duas costelas e um cotovelo partidos.
Uma das cenas mais icónicas de overacting foi protagonizada por Martin Sheen, em Apocalypse Now (1979), também de Coppola. Vietname, 1970. O filme apresenta-nos o capitão Willard (Sheen), que tem a missão, perigosa e alucinante, de encontrar e matar o coronel Kurtz (Marlon Brando), um antigo oficial que enlouqueceu. Naquela cena, Willard está sozinho num quarto de hotel, em Saigão. Bêbado (diz-se que Sheen se embriagou para tornar a cena mais realista), entra num momento de insanidade. E, aqui, já só se pode falar de Sheen, que tudo improvisou – a ponto de dar um murro num espelho. O ator aproveitou a mão ferida para espalhar o seu próprio sangue pelo corpo e pelos lençóis da cama, numa cena impressionante, aproveitada por Coppola até ao mais ínfimo pormenor.
Partir espelhos é, por sinal, um must do overacting. Em Repórter na Noite (2014), Jake Gyllenhaal é Lou Bloom, um jovem perturbado que pertence a um grupo de jornalismo de crime que, atento ao que acontece na perigosa noite de Los Angeles, se dedica a filmar acidentes, incêndios, assassínios e outros casos de polícia, para mais tarde vender aos canais televisivos. Mas, às tantas, Lou falha e perde para um concorrente um incidente importante. Fecha-se numa casa de banho para descarregar a sua frustração, aos gritos. À margem do guião, Jake Gyllenhaal também partiu o espelho. Cena acabada, seria suturado com 40 pontos numa mão, ganhando uma cicatriz para a vida.
Na fúria da sua personagem, Jake Gyllenhaal partiu um espelho. Cena feita, levou 40 pontos numa mão e ganhou uma cicatriz para a vida
Já Channing Tatum, em Foxcatcher (2014), no papel de Mark Schultz, campeão olímpico de luta greco-romana, descarrega a frustração da derrota num combate decisivo com três violentas cabeçadas num espelho do seu quarto de hotel. O guião, baseado numa história verídica, apenas pedia murros em si próprio e choro convulsivo. Channing Tatum acrescentou-lhe uma testa ensanguentada e pedaços de vidro espalhados pelo chão, num impulso que deixou a equipa de filmagem boquiaberta.
Há, igualmente, a modalidade da automutilação para fazer rir. Foi o que o ator Steve Carell escolheu fazer em Virgem aos 40 anos (2005). Carell fica com uma floresta de pêlos, quase desde o pescoço à barriga, qual gorila, se não tratar deles. E é assim que se apresenta a sua personagem, Andy Stitzer, até um colega de trabalho, Jay (Romany Malco), lhe dizer que tinha de fazer uma depilação radical para conseguir conquistas femininas. Carell/Stitzer submete-se então a uma tortura com bandas de cera, aplicadas sem misericórdia por uma esteticista (Miki Mia). Ele berra e pragueja contra a mulher, e a cena não podia ser mais realista: as bandas de cera estão mesmo a arrancar a mancha negra de pêlos que o ator deixou crescer. Os seus colegas Paul Rudd (no papel de David), Seth Rogen (Cal) e Romany Malco parecem, às tantas, não estar já a representar. Riem-se com o que Carell berra e contorcem-se perante as dores do colega. Um deles, Malco, sai mesmo de cena, aparentemente por não aguentar ver mais do que se estava a passar. A determinado momento, a esteticista pergunta se tira também os pêlos dos mamilos. Rudd e Rogen imploram-lhe que não o faça. Carell ordena-lhe que avance. O peito e a barriga do ator ficaram em ferida, mas valeu a pena: a comédia foi um êxito e lançou Steve Carell para a fama.