Alfama, um dos bairros mais emblemáticos de Lisboa, encontra-se agora vazia. A música que percorria o bairro encontra-se agora presente apenas nos restaurantes e cafés que tentam manter acesa a alegria das Festas de Lisboa.
Em junho, todos os cantos de Alfama são lugar de festa, este ano a festa não chega a lugar nenhum. A calçada portuguesa sente de novo os passos dos poucos lisboetas que têm coragem de sair à rua e questiona-se onde terão ido os estrangeiros. Os comerciantes sentem falta do alvoroço e do lucro que vem com a agitação das festas.
A Dona Dina continua a aproveitar o Sol que falha em animar o bairro. “Lisboa inteira está triste. Os Santos trazem-nos todos os anos alegria, e este ano bem que precisamos dela.” É o seu neto que agora lhe faz companhia, numa altura em que as suas amigas se refugiam em casa. “O largo está diferente, quase que não se vê ninguém.” O Largo do Chafariz de Dentro, com vista para o Museu do Fado, não vê os TukTuks e os seus turistas que, de há uns anos para cá, começaram a fazer parte da imagem de Alfama.
Durante os 50 anos em que trabalha na Mercearia Popular, António Silva nunca viu nada assim. “Então não vê? Lisboa está cheia”, brinca. “Parece que até os pombos têm medo de aqui pousar.” A caixa registadora encontra-se tapada com um pano que demonstra a falta de clientes que teimam a entrar na mercearia. Adaptou-se aos tempos de maior precaução – o desinfetante e as viseiras juntaram-se aos cestos de palha que se encontram suspensos no teto e que decoram a mercearia centenária. Os frescos não são agora tão frescos. “Vai ter tudo de ir para o lixo. É um desperdício.”
Com a chegada do primeiro cliente do dia chega também um agente da Polícia Municipal: “O estabelecimento tem de fechar às 16h.” E vai ser assim até domingo. São ordens da Autarquia para prevenir que, durante os Santos, se formem ajuntamentos. A venda de bebidas alcoólicas em espaços que não permitem o seu consumo leva a que os compradores os bebam na rua, onde não são impostas regras de distanciamento, o que leva a uma maior probabilidade de contágio. O Sr. António compreende, mas sabe que, se já eram poucos os clientes, assim ainda vão ser menos.
No Restaurante Flor São João da Praça, a Dona Madalena serve o Sr. Manel. Recordam os dias em que mal se podiam movimentar dentro do restaurante. “Nesta altura pelo ano passado isto estava cheio, tanto de turistas como de portugueses. Agora, é o que se vê.” Viram Alfama a ir do 8 para o 80, e agora, do 80 para o 8. Se já era triste ver Alfama “parada” no início da pandemia, ainda o é mais agora. “Esta é normalmente a altura de maior alegria.”
O Dario (sem acento, reforça ele) do restaurante York Burguer aproveita para fazer companhia aos clientes que se sentam na esplanada. Reconhece que os portugueses se portaram bem, mas que agora estão a desleixar-se, principalmente os lisboetas. Confessa ter saudades dos turistas, que são uma peça essencial do negócio. “Sei que existem corajosos que viajam mesmo nesta altura, mas eles não se aventuram por Alfama.” Se por um lado Dario quer que os turistas regressem, os clientes sentem-se abençoados por poderem aproveitar o bom tempo sem o alvoroço e os encontrões a que se tinham habituado.
As Marchas Populares de Lisboa fazem a capital dançar todos os anos, mas este ano não vai ser assim. Mário Rocha, o presidente da coletividade organizadora das marchas de Alfama, mostra-se comovido ao falar do assunto. Logo quando a situação começou a piorar que percebeu que, este ano, Lisboa não viria desfilar pela Avenida da Liberdade os gloriosos fatos característicos das Marchas. As ideias desenvolvidas vão passar para o ano próximo ano, sendo que o tema vai ser o mesmo. Este ano os figurinos das edições anteriores são os únicos ocupantes do Centro Cultural Dr. Magalhães Lima. Não há correrias, nem reparos de última hora, só um silêncio que entristece qualquer apreciador das festas de Lisboa. “É triste, as Marchas alegram tudo e todos. É uma energia incomparável. Mas sei que para o ano vamos voltar em força. P’ro ano é que vão ser elas!”, é a mensagem estampada nas camisolas que já percorrem o bairro.
E é esta a motivação de todos: pensar no futuro e nos anos cheios de música, sardinhadas e alegria que estão por vir.