Todos os anos, Álvaro Pereira, 57 anos, emigrante açoriano, a viver em Boston, EUA, há quase quatro décadas, faz duas ou três visitas a São Miguel. Está com os pais, de quase 90 anos, vê a família e apanha os ares da ilha. A 10 de março aterrou em Ponta Delgada para mais uma temporada de seis semanas. Só que a pandemia de Covid-19 deu-lhe cabo do planeamento. O voo de regresso, inicialmente previsto para 21 de abril, já foi cancelado quatro vezes, sendo neste momento a nova data o primeiro dia de julho. Mas isto não é grande problema. O trabalho, como mediador de seguros pode ser feito à distância, os filhos já são todos adultos e autónomos, a mulher habituou-se às ausências e na Maia, o seu local de origem, Álvaro construiu uma casa cómoda, onde se sente confortável. O que o deixa de olho no calendário e a fazer contas é o frasco de comprimidos quase a chegar ao fim. Aos 39 anos, Álvaro foi submetido a uma operação à coluna que o levou a uma cadeira-de-rodas. Um erro médico danificou-lhe alguns nervos, de forma irreversível. Graças a muito trabalho de fisioterapia, recuperou a marcha, mas as lesões permanentes ainda hoje lhe causam perda de sensibilidade e dor. Muita dor, amenizada por medicamentos à base de opioides. Nos últimos anos, tem-lhe sido recomendado metadona – terapêutica de substituição, usada em tratamentos de toxicodependência – que toma em comprimidos, duas vezes por dia. Sempre que viaja, leva medicamentos a mais, antecipando qualquer imprevisto. Desta vez, não houve previsão possível. Álvaro começou a racionalizar, tomando apenas um por dia, mas mesmo assim, no dia 17 de junho, irá ver o fim ao frasco.
Em Portugal, o medicamento só está disponível sob a forma líquida e a solução que lhe apresentaram foi que se dirigisse às unidades de apoio à toxicodependência para tomar a dose diária. Só que além de sentir algum constrangimento social, receia a mudança quer na apresentação do medicamento, uma vez que neste caso está na forma líquida, quer na concentração. Além disso, seria sempre apenas assegurada uma toma por dia. “Não consigo garantir, nem os médicos com quem falei o conseguem, que a quantidade de medicamento seja a mesma”, sublinha.
Resta-lhe agora esperar que a remessa, entretanto enviada pela mulher, chegue a tempo. É que só a possibilidade de voltar a sentir as dores paralisantes o deixam em pânico.
Depois de uma publicação numa rede social, o açoriano recebeu uma série de comentários de emigrantes retidos, em situação muito semelhante. “Há pessoas que já perderam o emprego, que não têm casa própria e estão a pagar alojamento. Neste aspeto eu até acabo por ter sorte”, conforma-se.