A pandemia de Covid-19 representa uma crise de saúde pública sem precedentes nos últimos 100 anos, causando perdas de vida humana incalculáveis, e disrupções na vida económica do planeta. A atividade económica da Zona Euro registou a descida mais abrupta desde o terceiro trimestre de 2009[1]. Em Portugal, verificou-se uma contração de 2.4% no PIB do primeiro trimestre de 2020, relativamente o mesmo período do ano anterior[2].
Há perguntas ainda sem resposta: como evoluirá a criação de postos de trabalho nos próximos anos? Em particular, quais serão as consequências da contração da economia para quem planeia entrar no mercado de trabalho em 2020?
Diversos governos apresentaram medidas extraordinárias de combate à crise económica resultante desta pandemia. O governo português implementou um conjunto de medidas[3] que visaram preservar os postos de trabalho e o tecido empresarial (por exemplo: subsídios a trabalhadores por conta própria, moratórias de crédito, layoff, diferimento de impostos), em paralelo com regras de saúde pública que exigiam o distanciamento social.
Com o avanço do plano de desconfinamento, é importante pensar nas consequências económicas de médio e longo-prazo, nomeadamente, as que resultam de uma quebra do investimento por parte das empresas. Neste contexto, há perguntas ainda sem resposta: como evoluirá a criação de postos de trabalho nos próximos anos? Em particular, quais serão as consequências da contração da economia para quem planeia entrar no mercado de trabalho em 2020?
Reconhecendo que a Covid-19 afeta desproporcionalmente diversos grupos da população, neste artigo, focamo-nos na segunda pergunta. Somos particularmente sensíveis a esta, uma vez que nos licenciámos durante a última crise financeira. Temos conhecimento próximo de vários jovens trabalhadores que ainda hoje tentam recuperar os efeitos na sua carreira e rendimentos causados pela entrada no mercado de trabalho durante uma recessão. De facto, vários estudos realizados por especialistas em Educação demonstraram que a transição dos estudantes para o mercado de trabalho durante a última crise foi relativamente mais precária, com maior preponderância de contratos temporários, e persistência de salários mais baixos ao longo da carreira[4],[5].
Estimamos que no ano de 2020 se graduem cerca de 370,000 alunos[6]. Este número representa cerca de 7.5% da população empregada[8]. A tendência das empresas, num cenário de corte de custos, será de diminuir ou eliminar o recrutamento – de acordo com os resultados do Inquérito Rápido e Excecional às Empresas realizado pelo INE e pelo Banco de Portugal (COVID-IREE)[8], no início de abril, nenhuma empresa aumentou o seu pessoal e, em maio, apenas 3% das empresas, que não encerraram definitivamente, reportou um aumento do seu pessoal. Perante uma possível falta de oportunidades, os licenciados possivelmente voltarão – tal como aconteceu há dez anos – a considerar a emigração como um caminho alternativo. Como evitar, ou minimizar, um cenário de “fuga de cérebros”?
Licenciámo-nos durante a última crise financeira. Temos conhecimento próximo de vários jovens trabalhadores que ainda hoje tentam recuperar os efeitos na sua carreira e rendimentos causados pela entrada no mercado de trabalho durante uma recessão
Devemos ter em especial atenção os setores de atividade que concentram o emprego dos recém-licenciados, e assegurar que as empresas continuam a oferecer oportunidades de carreira. De acordo com os dados do mercado de trabalho português entre 2013 e 2017, verificamos que os graduados mais recentes que se empregaram no espaço de seis meses foram empregados maioritariamente nos setores de Educação (17%), Comércio por grosso e retalho (12%) e Administração Pública (11%). Por outro lado, as indústrias portuguesas que mais dependem de jovens licenciados são, por ordem de importância: Atividades científicas e tecnologia de ponta; Saúde e Ação Social, Atividades Imobiliárias e Serviços Prestados às Empresas; Educação[7]. Assumindo que esta tendência se mantém, constatamos que os setores como o comércio, que se encontram entre os que mais empregam os recém-licenciados, foram também dos mais afectados pela pandemia, segundo o COVID-IREE. Por outro lado, áreas como as de atividade científica, tecnologia de ponta, saúde e educação são fundamentais para o crescimento económico de longo-prazo do País.
Tendo em conta esta informação, duas medidas que poderiam apoiar os recém-licenciados seriam: o lançamento de concursos para financiamento de projetos tecnológicos que contratem jovens recém-licenciados, e a implementação de subsídios à contratação de recém-licenciados, ressalvando garantias mínimas de continuação de postos de trabalho para não introduzir o incentivo perverso do uso continuado de contratos temporários.
[1] Fonte: INE, Síntese Económica de Conjuntura, Maio 2020.
[2] Fonte: INE, Acompanhamento do Impacto Económico e Social da Pandemia, Maio 2020.
[3] Fonte: EstamosON, Medidas de Apoio ao Emprego e às Empresas: https://covid19estamoson.gov.pt/medidas-de-apoio-emprego-empresas/
[4] Fonte: Fernández-Kranz and Rodríguez-Planas, “The Perfect Storm: Graduating in a Recession in a Segmented Labor Market”, Industrial Labor Relations Review, March 2018, 71(2): 492-524
[5] Fonte: Suleman and Figueiredo, “Entering the labour market in the context of higher education reform and economic recession: young bachelor and master graduates in Portugal”, Journal of Youth Studies, October 2019, 1-22.
[6] Fonte: Direcção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência: https://www.dgeec.mec.pt/np4/EstatVagasInsc/.
[8] Fonte: População empregada (Série 2011 – N.º) por Local de residência (NUTS – 2013), Sexo e Profissão; Trimestral – INE, Inquérito ao emprego
[9] Fonte: Inquérito Rápido e Excecional às Empresas, COVID-IREE, Banco de Portugal e INE, Abril e Maio 2020.