Fátima não tem rio, está longe do mar, as suas terras não são férteis. Mas tem Nossa Senhora. “Recebemos 7 milhões de visitas por ano. Toda a atividade económica desta região gira em torno do turismo religioso”, observa Celeste Neves, 59 anos, licenciada em turismo. A sua vida não é exceção. Nascida e criada em Valinhos, terra percorrida pelos três Pastorinhos, fez da casa de família residencial e loja de recordações. E aos 44 anos, com os quatro filhos já praticamente criados, embarcou no programa Novas Oportunidades e com facilidade completou o nono ano. Entusiasmou-se, terminou o Ensino Secundário e seguiu para a Licenciatura em Turismo, na Universidade de Coimbra. Hoje, à atividade comercial junta o acompanhamento de grupos em turismo religioso, pelo mundo e também em Portugal, claro! “Há pessoas que quando descobrem que sou de Fátima sentem necessidade de tocar-me, como se eu fosse também, de alguma forma, santa.”
Tudo isto, a pandemia lhe tirou. “Cancelamos todas as viagens, até ao final do ano”, avança. “Como não sabemos com o que podemos contar, consideramos que o melhor era mesmo cancelar tudo”, justifica, referindo-se à atividade que desenvolve para uma agência de viagens com sede na América e que serve sobretudo o mercado da Califórnia.
Celeste, que tem os filhos criados, e é proprietária da casa onde vive com o marido e do amplo terreno com vista para os lugares por onde andaram, há um século, Lúcia, Francisco e Jacinta, está relativamente confortável com a sua situação. “Quem não paga renda, nem créditos organiza-se e vai-se aguentar”, antecipa. O pior será para os que trabalham por conta de outrém, que vêm cá fazer a temporada, em restaurantes, hóteis, lojas, fábricas de velas. Um movimento que só começa a sério na data da primeira aparição, por volta do 13 de maio, e termina a 13 de outubro, data em que a Igreja Católica celebra a última visita de Nossa Senhora aos Pastorinhos. “É preciso lembrar que nós já estamos fechados há muitos meses, não foi só quando se declarou o Estado de Emergência”, observa.
Na aldeia, com pouco mais de uma centena de habitantes, quase todos são parentes dos Pastorinhos e grande parte dos terrenos foi adquirido pelo Santuário, para proteção do território. Está aí a Via Sacra, a Igreja de Santo Estevão, a casa-museu da Irmã Lúcia e defronte a da sobrinha, Maria dos Anjos, que aos cem anos mantém o ritual de passar as tardes à porta de casa, de terço na mão, disponível para ser fotografada e admirada.
Dom António Marto, bispo de Leiria-Fátima, prevê que já em agosto seja possível ver as ruas, lojas e o Santuário cheios das multidões habituais. Mas Celeste não arrisca a ir tão longe. “Prefiro moderar a expectativa. Mas se ao menos os espanhóis ainda puderem vir…” É que o turismo nacional quase não dá para as despesas. “Em geral, só ficam uma noite e não compram muita coisa”, nota. Parece que em Espanha a expectativa é a mesma. Um grupo espanhol, com marcação para julho, ainda não mostrou intenção de cancelar.