Estávamos no final de 2001 quando o presidente da gigante de cosméticos Estée Lauder, anunciou ao planeta o novíssimo Lipstick Index . No novo mundo do pós-11 de Setembro, e do ataque terrorista às Torres Gémeas, em Nova Iorque, Leonard Lauder constatou que as vendas de um item muito específico não acompanhavam as tendências de queda generalizada no consumo – a saber, o batom vermelho. Desde então, já por várias vezes os números voltaram a mostrar essa relação curiosa entre a saúde económica e a procura por aquele produto.
Desde então que o Índice Batom se tornou um sério indicador da economia: em períodos de recessão, as vendas de batom tendem a aumentar. E a explicação, segundo Lauder, é mais simples do que pode parecer: na hora de apertar o cinto, os produtos de beleza mais baratos torna-se um bem acessível a todas as bolsas – permitindo um pequeno luxo em tempos difíceis. Se houvesse uma psicologia da economia, queria dizer que estes pequenos prazeres vão alimentando a expetativa de que as coisas vão melhorar no futuro. Mas, num mundo em que a máscara é cada vez mais um acessório essencial, efeito inesperado da Covid-19 e do desconfinamento que se segue, que lugar sobra para o batom vermelho?
“Estamos a viver uma crise completamente diferente de outras. Num primeiro momento as pessoas preocuparam-se com os seus bens essenciais – e a maquilhagem não foi, seguramente uma prioridade. Neste momento, a tendência é uma maior procura online de produtos de cuidados da pele, especialmente para rosto”, nota Carolina D’Korth-Brandão, diretora de marketing da Estée Lauder Portugal, que também não quer fazer prognósticos no início do jogo. Como quem diz, só agora estamos a tentar ter alguma normalidade.
“Pode acontecer que, depois deste confinamento, os batons venham a registar o mesmo aumento – dado ser o produto de luxo mais acessível”, segue aquela responsável da marca em Portugal. A questão, remata, é que estamos a viver uma situação que nos era absolutamente desconhecida. “Dificilmente se consegue comparar com outros momentos da história”.
Uma herança da II Guerra…
Quando Lauder cunhou a expressão, o mundo sofria os efeitos da bolha da internet e dos atentados de 11 de setembro. Na ocasião, a empresa afirmou ter duplicado as vendas de batons. Não era, note-se, uma estreia na história. Verificara-se entre 1929 e 1933, na Grande Depressão na América. Tal como em 1997, durante crise asiática: enquanto a economia japonesa estagnava, disparavam os gastos com produtos de beleza. E no final do primeiro semestre de 2008, os resultados da Lóreal, então a maior empresa de beleza no mundo, também aumentavam 5,3 por cento.
Mas esta é uma história cuja origem remonta à II Guerra, quando Churchill e o governo britânico apregoaram publicamente que o batom era um produto de primeira necessidade porque se revelava essencial para elevar a moral da população. O eco dessa promoção não demorou. “Mais do que nunca, a beleza é o seu dever”, decretava a edição britânica da Vogue, em 1941. Como se fosse uma espécie de compromisso patriótico. Isso ajuda a explicar porque, apesar da produção de cosméticos ter sido interrompida em plena guerra, o então primeiro-ministro inglês tenha decidido abrir uma exceção ao batom. Aliás, enquanto a gasolina, açúcar e ovos eram racionados, o batom era distribuído com a mesma assiduidade que a farinha. E tornava-se o símbolo por excelência do estilo de vida da sociedade moderna.
…adotada até pela Rainha
“Quem usava batom vermelho sentia-se mais forte, mais atraente e mais segura. São sentimentos especialmente valiosos em tempos de crise”, interpretou já Rachel Felder, autora do livro Red Lipstick: An Ode to a Beauty Icon. “Para as mulheres que o usam, torna-se tanto uma espada quanto um escudo. Esconde qualquer insegurança e ainda demostra assertividade”, sublinha a escritora, no livro editado no ano passado.
Mas Churchill não só apenas não racionou os batons, como pediu às mulheres que o usassem como ação de propaganda para elevar o ânimo dos soldados, a lutar para voltar para casa. Além disso, o ódio público de Hitler por qualquer tipo de cosmético era outro poderoso motivo para o reivindicar com mais convicção.
As publicações de moda e as empresas de cosméticos também aderiram ao repto sem demoras. Elizabeth Arden criou mesmo um kit de maquilhagem dedicado às mulheres da marinha americana – combinava na perfeição com os seus uniformes. Já Helena Rubinstein criou tons de batom – e também sombra – com nomes como “comando” ou “combatente vermelho”. E, depois de a marca Tangee ter aproveitado para lançar uma campanha publicitária sob o lema “Guerra, mulheres e batom”, até a rainha Isabel II aderiu à moda. Conhecida por ter uma grande coleção de batons, a monarca encomendou mesmo uma linha pessoal de batom vermelho com matizes azulados. Tudo a combinar com o estilo da sua coroação, em 1952.
Pandemia, máscaras e…verniz?
Há quem acredite que, agora, o efeito voltará a repetir-se. Como Rachel Felder: “Sobretudo depois de as lojas físicas reabrirem. As pessoas estão desejosas de voltarem a arranjar-se, sair à rua e mostrar-se o melhor que puderem”.
As influencers, que tomaram conta dos espaços de beleza no Instagram, já estão a debater o tema. Há dias, era Helena Coelho, a youtuber de beleza do ano em 2018, a contar como é que se devia usar maquilhagem sem sujar a máscara. “Batom? Hum, pois, será preciso retocar mais vezes – ou usar algo neutro”, sublinhava aquela it girl, que começou por fazer tutoriais de maquilhagem e agora já estendeu os conselhos a uma série de outras áreas do bem-estar.
Só que, neste tempo de máscara obrigatória, perfilam-se já outros sérios candidatos aquele posto distintivo. Segundo os mais recentes dados do grupo NPD (de Nail Polish Direct), à frente seguem agora as vendas de produtos premium para as unhas. Só na primeira semana de quarentena, a meio de março, o aumento era de 12 por cento. A explicação, segundo a empresa, é simples: “com os salões de beleza fechados, as consumidoras estão a recorrer aos rituais de manicure em casa para manter o ânimo”. A venda de vernizes coloridos cresceu 18% e a procura de outros produtos para arranjar as unhas também ultrapassou os dois dígitos. As cores preferidas? Cor-de-rosa e vermelho, claro.
“É uma subida que indica, claramente que, este cuidado com as unhas pode ser o novo ‘Índice batom’ da Covid-19″, considerou mesmo Emma Fishwick, responsável de contas do NPD. Como quem diz, o novo efeito-verniz. É que, remata, “a aplicação também é rápida, simples e fornece um resultado instantâneo.”