Quando a administração da Torre Sénior, a residência assistida para idosos, reuniu com Francisca Juncá, para avaliar se estaria disponível para participar nas medidas excecionais de prevenção da Covid-19, a técnica dos serviços sociais, de 36 anos, soube que “estava na hora de dizer que sim, sem hesitações”. Não era uma decisão fácil, uma vez que implicava o afastamento, durante 15 dias, da sua bebé de 21 meses, que ainda amamentava. “Um dia falarei à minha filha sobre este momento e vai ser bom para a sua formação, o perceber que há alturas em que temos de ser solidários… Tive a plena consciência que, se não limitássemos as entradas e as saídas das instalações, colocávamos em risco os residentes”, sublinha. Acompanhou o projeto do lar desde a abertura, em 2013, e a relação emocional que mantém com todos os que ali vivem levou-a a “abdicar do conforto e assumir esta missão”. Faz parte da segunda equipa, de 20 funcionários, que se mudou de malas e bagagens para a Torre Sénior, entre dias 13 e 26 de abril, logo após serem submetidos a um teste, numa instituição privada, para afastar a possibilidade de contágio.
A resposta positiva de quem trabalhava na residência – 40 dos 50 funcionários, sendo que muitos dos que ficaram de fora deste plano de contingência não tinham condições familiares para o cumprir – deixou a administração agradavelmente surpreendida. “Muitos nunca tinham ficado tanto tempo longe da família, mas encararam o nosso repto com espírito de missão e de resistência, em prol dos residentes”, conta Miguel Cerqueira, diretor da Torre Sénior. Ao longo do tempo, conseguiram antecipar as orientações da Direção Geral de Saúde. Um dia após o anúncio do primeiro caso da Covid-19, a 2 de março, colocaram em prática as primeiras medidas de segurança, como restrições das visitas e desinfeção dos funcionários. “Era uma fase prematura, ainda não havia orientações e, na altura, foi difícil fazer com que as famílias e os residentes que tinham alguma rotina no exterior, compreendessem as medidas”, recorda. Notícias de situações alarmantes noutros lares fizeram endurecer as regras e precipitaram a decisão de fechar de vez as portas da residência assistida, a 29 de março, mantendo uma equipa de funcionários a residir nas instalações, rendida após 15 dias. O edifício, moderno e amplo, assim o permitia. O ginásio foi transformado em camarata e os balneários da piscina foram adaptados para serem ocupados pelos funcionários, de enfermeiros a pessoal da cozinha. E mais ninguém entra nas instalações. Mesmo as encomendas de familiares de residentes ficam de quarentena durante duas semanas. Para matar as saudades, fez-se uma escala de videochamadas.
Como em todos os lares de idosos, havia uma população de risco a proteger. “Cerca de 50% dos nossos 70 residentes tem mais de 90 anos e grandes debilidades… fizemos aquilo que era necessário”, defende Miguel Cerqueira. Os utentes reconhecem o trabalho feito pela equipa. “Para eles, esta solução foi um sossego e transmitiu-lhes tranquilidade, estão muito agradecidos pelo que fizemos”, conta Mariana Cunha, enfermeira de 23 anos, pertencente ao grupo que esteve de serviço de 30 de março a 12 de abril e que, entretanto, voltou ao trabalho. A carga é exaustiva, com turnos de 12 horas, e momentos de descontração condicionados intramuros, mas Mariana diz que a equipa está unida, motivada e “dará o que for preciso, porque ainda é precoce voltar à normalidade”. Não sabe ao certo qual será a compensação da administração da Torre Sénior por este sacrifício pessoal, mas assegura que isso não influenciou a sua decisão. Sente, mais do que nunca, que está a cumprir o juramento de Florence Nightingale, “ao não abandonar o outro neste estado de emergência, tal como gostava que não o fizessem se fossem os meus avós nesta situação”.