Deixar-se fotografar a dar o último beijo ao irmão morto, tirar um retrato de família com um dos membros no caixão ou anunciar a morte da mãe nas redes sociais, publicando uma fotografia do cão ao lado da defunta, pode parecer mórbido e até de mau gosto para algumas pessoas, mas na verdade são rituais antigos que estão de volta, à medida que cada vez mais finais de vida e velórios acontecem em casa.
Foi esse o caso de Robert Alexandre. No verão de 2018, o mecânico americano de 51 anos morreu durante uma cirurgia ao coração. Depois de recuperados o tecido e os ossos, que doara, foi levado para a quinta do tio em Hinton, no estado do Oklahoma, para que a mãe, os irmãos e outros familiares e amigos pudessem despedir-se numa cerimónia fúnebre caseira.
Como descreve um artigo publicado pelo The New York Times, tudo foi feito à medida e ao gosto de Robert, que adorava motos. Repousou sobre uma mesa de banquete e vestiram-no com calças de ganga azuis desgastadas, um lenço da Harley Davidson, uma t-shirt de manga comprida Affliction e o seu colete de couro preto pintado com a bandeira americana. Na parede atrás dele, penduraram um cobertor estampado com uma caveira em chamas. Foi o cunhado que captou o último momento em que a mãe conseguiu reunir-se com os sete filhos (um deles no caixão), tirando uma fotografia com o smartphone.
Será isto mais estranho do que ver nas redes sociais emojis amarelos com uma lágrima azul ou apenas um “gosto” aplicados a um acontecimento tão trágico como a morte de alguém? Para as famílias que, como a de Robert Alexander, preferem um final caseiro e mais natural, a fotografia não passa da extensão e celebração de uma série de escolhas. Terão os serviços convencionais das funerárias de repensar as maneiras de organizar a última despedida?
Morte para a posteridade
Numa era em que tudo é publicado quase sem filtro e em que “as melhores fotografias do ano” passam pelas imagens de cadáveres de crianças desamparadas pela guerra, tirar fotografias com um smartphone no leito da morte de um familiar poderá ser visto como um ato de ternura? “É surpreendente como estivemos tão desligados da morte no século passado”, diz Bess Lovejoy, autora do livro Rest in Pieces: The Curious Fates of Famous Corpses, publicado em 2013, sobre o ressurgimento da fotografia da morte em casa.
Lovejoy também é membro da Ordem da Boa Morte (Order of the Good Death), uma organização de profissionais funerários, artistas e estudiosos que preparam uma cultura geralmente em negação perante morte. “Mas estamos a voltar às formas mais antigas, que alguns dizem ter começado nos anos 70, com um movimento de volta à natureza, às parteiras e aos nascimentos naturais. O movimento natural da morte é parte disso. E essas fotografias não são surpreendentes, porque andamos com os nossos smartphones o tempo todo. Se não houver uma foto parece que não aconteceu. Agora toda a gente é fotógrafa.”
Desde meados do século XIX que um dos usos mais comuns da fotografia moderna, surgido em 1839 com Louis Daguerre, foi o registo post mortem. Uma imagem artisticamente composta, tirada por um fotógrafo profissional, de membros da família mortos em todos os tipos de poses: crianças no colo dos pais, muitas vezes com os olhos abertos; adultos vestidos com suas melhores roupas; pais mortos segurando nos seus filhos vivos; famílias inteiras, destruídas por doenças como cólera, febre tifoide ou difteria, aninhadas juntas na cama.
Lindo ou macabro?
Tal como na era Vitoriana, as fotografias post mortem de crianças têm uma forte urgência e missão. Para a Now I Lay Me Down to Sleep, uma organização de fotógrafos voluntários que fazem “retratos de lembrança” de bebés, geralmente nos braços dos seus pais, para ajudar no processo de luto, desde o momento em que aparece nos media trata-se do registo de um processo e não o registo de uma pessoa. É apenas documentar a transição de um corpo físico para uma memória.
Foi graças ao excesso de mortandade da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que estas imagens foram perdendo visibilidade. “Houve muita morte. Se todo o mundo está de luto, perde-se o espírito de luta. Não é patriótico”, justifica Stanley B. Burns, 81 anos, oftalmologista por detrás de Burns Archive, uma coleção de post mortem de fotografias médicas, entre outros géneros fotográficos intrigantes, autor também de três volumes Sleeping Beauty com fotos tão lindas, como macabras.
Desde que a Internet invadiu a nossa vida, e as redes sociais parecem tomar conta dela, já se tornou comum ver fotografias e vídeos feitos pelos próprios doentes em fases terminais, em que partilham o sofrimento, chamando a atenção para determinadas causas – não importa aqui as suas motivações. Mas o que para muitos pode ser desconfortável, para outros será visto como um ato de coragem.
Existem vários processos que suavizam o impacto visual da morte. Lashanna Williams, 40 anos, massagista, terapeuta e “doula de morte” em Seattle, faz retratos dos seus clientes já moribundos, com a sua permissão anterior, para compartilhar depois com os membros da família, se estes pedirem. Sobre as rugas, Lashanna gosta de dizer que são recipientes para memórias e experiências vividas. As imagens são abstratas e íntimas.