A eutanásia voltou à ordem do dia com a apresentação dos projetos de lei do Bloco de Esquerda, PS, PAN, Os Verdes e Iniciativa Liberal, votados esta quinta-feira, dia 20, na Assembleia da República. Todos concordam que o pedido de antecipação da morte tem de ser feito expressamente pelo doente em situação de “doença incurável” e “sofrimento insuportável”. Mas a discussão ainda vai no adro.
O que é a eutanásia?
O dicionário da Priberam explica assim: “Morte sem dor nem sofrimento; direito a uma morte sem dor nem sofrimento para doentes incuráveis, praticada com o seu consentimento, de forma digna e medicamente assistida.” Eutanásia, ou morte assistida, é o ato que provoca a morte de um doente por sua vontade, com a ajuda de um médico ou profissional de saúde ou através de suicídio assistido.
A eutanásia é diferente do suicídio assistido?
A diferença está na pessoa que faz o gesto decisivo. No suicídio assistido, é o próprio doente – embora possa ser auxiliado por outra pessoa e sob supervisão médica – quem toma um comprimido ou faz acionar um dispositivo que lhe introduz uma substância letal no organismo. No caso da eutanásia, é o médico ou profissional de saúde quem o faz.
As duas situações estão contempladas nos projetos de lei apresentados?
Sim. Todos os textos se referem à morte medicamente assistida que pode ser feita por autoadministração de fármacos letais (suicídio medicamente assistido) ou administração médica (eutanásia).
O que é a distanásia?
É a insistência em tratamentos com o objetivo de adiar a morte do doente, mas de forma desnecessária e desproporcional. Pode implicar grave desconforto ou sofrimento para o doente. Também costuma designar-se “obstinação terapêutica”.
Questão de consciência? Todos os projetos em votação preveem a objeção de consciência de médicos e enfermeiros
Esta “obstinação terapêutica” pode ser evitada pelo doente?
Em Portugal, existe desde 2014 o testamento vital (o nome oficial é Diretivas Antecipadas de Vontade). Trata-se de um documento no qual é manifestada antecipadamente a vontade consciente, livre e esclarecida de um utente maior de idade. Diz respeito aos cuidados de saúde que a pessoa deseja receber ou não, caso se encontre incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.
Em que países está legalizada a eutanásia?
Holanda, Bélgica e Luxemburgo são os países europeus que legalizaram a eutanásia e o suicídio assistido – a Colômbia é a quarta nação onde é permitida. Finlândia, Alemanha e Suíça permitem o suicídio assistido (segundo a Organização Mundial da Saúde). No Canadá e em alguns estados norte-americanos, também é possível pedir o suicídio assistido. Em Espanha, o caminho está aberto para que a eutanásia avance. O Governo de Pedro Sánchez conseguiu aprovar a sua proposta no Congresso. Segue-se a discussão para, depois, ser votada e aprovada no Congresso e no Senado. A Nova Zelândia vai fazer, este ano, um referendo sobre o assunto.
O que propõem os cinco partidos portugueses?
A despenalização da morte medicamente assistida. Em todos os projetos de lei consta que só podem pedir a morte medicamente assistida pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, com “lesão definitiva” ou “doença incurável e fatal”, e em situação de “sofrimento duradouro e insuportável”. Também todos preveem a garantia da objeção de consciência por parte de médicos e enfermeiros. Os textos referem sempre que o pedido é feito por “vontade expressa do doente”, que tem de o confirmar várias vezes, e que esse pedido passa pela obtenção de vários pareceres médicos positivos – o PS, por exemplo, refere a constituição de uma Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte, com juristas, médicos, enfermeiros e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; e o BE propõe uma Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte. O doente pode anular o seu pedido em qualquer momento do processo.
Se um ou mais diplomas forem aprovados, o que se segue?
Os projetos aprovados baixam à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Daqui sairá um texto comum que será votado, primeiro, em sede da própria comissão e, depois, é agendado para votação final global no plenário. Caso a lei seja aprovada, será enviada para Belém.
O que pode fazer o Presidente da República?
Tem três hipóteses: ou promulga, ou veta, ou envia para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. Se vetar (devolver o diploma ao Parlamento), tem de o justificar, e essas recomendações podem ou não ser aceites pelos deputados, que, depois, votarão outra vez o texto.
Pode haver um referendo sobre a eutanásia?
Pode, mas só o CDS e o Chega manifestaram intenção de que houvesse uma consulta popular, pelo que não se prevê que isso venha a suceder.
Quem pode propor a realização de um referendo?
O Governo, a Assembleia da República e grupos de cidadãos eleitores constituídos para o efeito.
De quantas assinaturas precisa esse grupo para entregar uma proposta?
São necessárias 60 mil assinaturas de cidadãos regularmente recenseados no território nacional.
Como se desenrola esse processo?
A iniciativa popular deve conter a pergunta ou perguntas a submeter a referendo e identificar os projetos em discussão no Parlamento. Compete à Assembleia da República, depois, validar as assinaturas e regular o processo. A proposta de referendo tem de ser votada no plenário e a sua aprovação faz-se por maioria simples, sem contar com as abstenções. Cabe sempre aos deputados dar o sim ou o não.
E depois?
Se a proposta de referendo for chumbada, ficamos por aqui. Caso seja aprovada, é enviada para o Tribunal Constitucional. Os juízes do Palácio Ratton têm 25 dias para verificar a constitucionalidade e legalidade do referendo. Se disserem que é inconstitucional, encerra-se o assunto (a não ser que o Parlamento altere o texto da proposta); se atestarem a constitucionalidade, o caso segue para o Presidente da República.
Quem pode convocar o referendo?
A decisão é da exclusiva competência do Presidente da República que tem 20 dias para deliberar depois de receber o documento do Tribunal Constitucional. Caso opte por não convocar o referendo, tem de comunicar, através de mensagem fundamentada, ao Governo ou à Assembleia da República.
Quantos referendos já se fizeram em Portugal e o que sucedeu?
Houve três consultas populares até agora. Duas sobre a interrupção voluntária da gravidez (1998 e 2007) e uma sobre a regionalização (1998). Segundo a Constituição, um referendo só é juridicamente vinculativo no caso de a participação ser igual ou superior a 50%, o que não aconteceu com nenhum dos três. No entanto, e apesar de o referendo não ter sido vinculativo, a lei da interrupção voluntária da gravidez foi alterada no sentido mais votado em 2007.