Foi a meio do verão passado que Nuno Crato apareceu, pela primeira vez numa cerimónia oficial, no palco ao lado dos responsáveis pela Educação no país governado por Jair Bolsonaro, apresentado como um especialista em educação cujas medidas tinham alcançado bons resultados. Depois de ter andado pelo Brasil durante a campanha eleitoral (momento em que se declarou defensor de Fernando Haddad, que foi ministro da Educação de Lula), o ex-ministro português mostrava-se então ao lado do ministro da Educação do governo de Bolsonaro, Abraham Weintraub – esse mesmo, o evangélico e negacionista das alterações climáticas, conhecido também por ter uma conta no Twitter cheia de erros ortográficos. As piadas no Twitter sobre o assunto são mais que muitas – e duram há meses, claro.
Voltando a agosto, decorria então o lançamento do Caderno de Política Nacional de Alfabetização, uma cartilha com orientações para os responsáveis das várias regiões implementares, no âmbito da anunciada Política Nacional de Alfabetização. Resumindo, a ideia é rever as bases do ensino naquele país, uma área que Bolsonaro elegeu como prioritária no seu governo – propósito que muitos críticos temem possa transformar-se no maior estrago na educação pública brasileira.
É que entre os responsáveis pela decisão de rever os conteúdos didáticos infantis está Carlos Nadalim, um discípulo de Olavo de Carvalho, um antigo astrólogo entretanto transformado num guru da ultradireita, e que, instalado nos EUA há anos, lidera à distância um dos quatro grupos de apoio ao Governo de Jair Bolsonaro. O mais recente episódio desta saga ocorreu na semana passada, quando um dos governadores da região da Rondónia, no oeste do país, perto da fronteira com a Bolívia, mandou retirar do currículo escolar uma série de clássicos da literatura brasileira, de Machado de Assis a Rubem Fonseca, justificando que o seu conteúdo é “desadequado”. Debaixo de uma enorme chuva de críticas, lá voltou atrás.
Tal como Weintraub e os outros participantes do tal encontro de agosto, Nuno Crato deixaria o palco sem prestar quaisquer declarações à imprensa. Regressaria pouco depois a Portugal para ser apresentando como presidente da Iniciativa Educação, promovida pela família Soares dos Santos para apoiar alunos em dificuldades.
Só que agora, avança o The Intercept Brasil, o ministério da Educação brasileiro avançou com a convocação de uma série de especialistas para desenvolver estudos que sirvam de base à pretendida revisão dos conteúdos – contratados, sublinha ainda aquela publicação, sem qualquer consulta pública. E é entre os vários nomes avançados que surge, exatamente, o de Luísa Araújo, mulher de Nuno Crato.
“Não tenho nada com o governo de Bolsonaro”, começou por dizer Nuno Crato, apesar de reconhecer que andou muito pelo Brasil nos últimos anos. Do tal encontro ao lado de Weintraub, recorda-se apenas que foi a única vez que o viu e justifica que o convidaram para dar uma palestra na sessão de abertura. “Mas nunca tive nenhuma colaboração mais específica”, garante. Nem ele nem a mulher. “Pode perguntar-lhe”. Em resposta à VISÃO, a investigadora do Instituto Superior de Educação e Ciências também assegura que não faz parte daquele grupo de consultores.
Não é a primeira vez que o nome de Nuno Crato é associado ao governo de Bolsonaro. Em outubro passado, a ligação era feita numa coluna de opinião do jornal Expresso, assinada por José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda – e que terminava a contar como Crato “abrilhantou a cerimónia do seu amigo Weintraub, elencando os supostos sucessos do tempo em que era ministro nos saudosos dias da troika e as medidas que inspiram agora o governo extremista de além-mar.”