“No fim, vou ser absolvido por completo. Vão ver”, insiste Harvey Weinstein, agora como sempre, alegando que todo e qualquer ato sexual que possa ter acontecido, durante os seus tempos áureos enquanto produtor em Hollywood, com aquelas mulheres foi consentido – mas a verdade é que, dois anos depois de ter rebentado o escândalo, o seu poder esfumou-se e agora a sua nova imagem é a de um velhinho, a cambalear, enquanto empurra um andarilho. A dois meses de cumprir 68 anos, arrisca-se a comemorá-los atrás das grades, caso a acusação consiga dá-lo como culpado nas previstas seis a oito semanas de julgamento.
Presente esta segunda-feira, 6, ao tribunal em Nova Iorque, são-lhe atribuídos cinco crimes ocorridos entre 2006 e 2013, entre os quais agressão sexual e violação em primeiro e terceiro graus. A acusação foi desenvolvida a partir de testemunhos de cerca de uma centena de mulheres, embora o caso assente sobretudo em denúncias de duas vítimas. Mas pouco mais do que aquela convicção de que vai sair ileso deste julgamento se lhe ouviu, desde que saiu sob fiança e pulseira eletrónica, depois de se ter entregado às autoridades em maio de 2018.
Sabe-se que vive nos subúrbios de Nova Iorque e que lhe aumentaram a fiança para cinco milhões de dólares, depois de os procuradores do caso o terem acusado de desligar o aparelho de vigilância eletrónica várias vezes. Foi apenas notícia uma outra vez quando se viu obrigado a sair do bar onde entrara, por ter sido alvo de insultos e tentativas de agressões por parte das mulheres que lá estavam. Das últimas vezes que comparecera no tribunal já se fizera acompanhar do tal andarilho – por culpa de um acidente sofrido a meio do verão e que o levou à mesa de operação no fim do ano, altura em que quebrou esse muro de silêncio e acedeu a dar uma entrevista.
Foi precisamente ao The New York Post que lamentou como o mundo se esqueceu da forma como ela promovera as mulheres na indústria cinematográfica. “Fiz mais filmes sobre mulheres e dirigidos por mulheres do que qualquer outro produtor de Hollywood”, disse, não manifestando qualquer arrependimento ou reserva quanto às suas ações. Mais, escreveu ainda o jornal: durante a entrevista, Weinstein manteve um comportamento de bullying, ameaçando terminar a conversa de cada vez que lhe era colocada uma questão que lhe desagradava.
Então, afinal qual é a sua estratégia? Quem aceitou defender a figura que se tornou das mais odiosas, perguntava mesmo a prestigiada Vanity Fair (VF) fazia poucas horas antes do início da sessão em tribunal – sobretudo depois de tantos outros terem desistido de o fazer, por Weinstein se ter mostrado demasiado controlador e obsessivo.
A resposta certa é Donna Rotunno, uma advogada de 44 anos que se tornou famosa exatamente por defender casos de violação e abuso sexual. Daí que, quando um amigo comum lhe propôs defender Weinstein, Rotunno não tenha sequer hesitado. O seu desdém pelo politicamente correto também ajudou a que o seu nome fosse o escolhido – afinal, foi ela quem desacreditou o movimento #Metoo com a expressão: “Acredito que as mulheres são responsáveis pelos efeitos das suas escolhas”.
Por tudo isso ele lhe deu carta branca para contratar a equipa que quisesse, para a apoiar nesta missão parece quase impossível, embora não a tenha consultado para dar a tal entrevista no hospital. E disso ela não gostou. Não demorou a que, poucos dias depois disso, a mesma Rotunno tenha publicado uma carta aberta a dar acusando os media de estarem a fazer tudo para que ele não tivesse um julgamento justo.
Descendente de uma grande família italo-americana, e com 14 afilhados, conta a mesma VF que Rotunno se vê como uma cuidadora, na vida pública como na privada – e que isso contribuíra, e muito!, para que se tornasse advogada. O seu plano, adianta ainda aquela publicação, é apresentar as vítimas como protagonistas de um romance de longa duração com o produtor, preparando-se para tornar públicas as mensagens trocadas depois do momento do alegado ataque. “Penso que qualquer vítima de violação vai olhar para isto e dizer que quem tenha sido atacada de facto não se comporta assim”.
A estratégia que se lhe aponta é a mesma que Rotunno já usou antes, em outros crimes do género. “A acusação vai usar de todo o que estiver ao seu alcança para nos fazer crer que Weinstein é esta criatura poderosa que pode ter tudo o que quiser. Já eu vejo caso de forma completamente oposta: ele era a criatura que tinha as chaves do castelo onde toda a gente queria entrar. Estas mulheres não olharam para Havery e pensaram: uau, ele é tão bonito que vou para o quarto de hotel dele. Pensaram: ele é um todo-poderoso, se calhar pode fazer algo por mim. Afinal, quem usou quem?”, pergunta a mesma Rotunno, a fazer jus ao estilo agressivo e de bulldog à solta na sala de tribunal que lhe atribuem.
A detenção de Harvey Weinstein aconteceu em maio de 2018, meses depois de o jornal The New York Times e de a revista The New Yorker terem publicado, em outubro de 2017, reportagens a denunciar o escândalo sexual no meio cinematográfico norte-americano. Foi a partir dessas reportagens que se gerou o movimento coletivo espontâneo de denúncia e partilha #MeToo, de denúncia de casos de abuso, agressão e assédio sexual na indústria do entretenimento. Entre as mulheres que detalharam casos de propostas sexuais de Harvey Weinstein estão Uma Thurman, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow, Salma Hayek e Lupita N`yongo. O caso deu até direito a um documentário.