A lei já permite a entrega de um recém-nascido para adoção sem haver consequências criminais, mas os procedimentos necessários tornam estes processos mais difíceis. A mãe tem de manifestar essa vontade no momento do parto, de forma clara e por escrito, e voltar a reiterar essa vontade seis semanas depois, perante um juiz.
Não existem estatísticas fidedignas para estes casos, mas os mais experientes técnicos da área social dizem tratar-se de situações ainda raras no nosso país. Nestas situações, o bebé é levado assim que nasce para longe da progenitora, aguardando num centro de emergência infantil os procedimentos legais que se seguem.
Em teoria, findas as seis semanas em que a mãe pode voltar atrás na sua decisão, o Tribunal de Família e Menores encaminharia a criança para adoção e, em dois a três meses, o bebé poderia ser entregue a uma família. Mas quase sempre são decretados outros trâmites legais. Se não houver o consentimento escrito dos dois progenitores, o juiz pode solicitar que se encontre o pai, ou que se confirme a inexistência de alguém na família alargada que queira (e possa) ficar com a criança – um processo que pode levar entre 6 meses e um ano para ficar concluído.
Entretanto, o bebé continua à espera, sem quem o ame e lhe dê colo.
É assim que permanece João, que nasceu há precisamente um ano num hospital de Lisboa. A mãe disse à equipa médica que o queria dar para adoção, assinou uma declaração e saiu do hospital sem olhar para trás. Seis semanas depois não compareceu em tribunal. O juiz decidiu chamá-la uma segunda vez. E uma terceira. As cartas do tribunal nunca tiveram resposta, a mulher provavelmente já nem reside no mesmo local. E sem uma decisão do juiz o processo fica “congelado”, sem que se avance com um projeto de vida para esta criança.
Noutros países europeus, as mães podem decidir entregar os filhos para adoção ainda durante a gravidez, sem grandes burocracias, ou tê-los no hospital de forma anónima, sem serem identificadas, o que não é permitido em Portugal.
Também as “caixas seguras” para bebés, um sistema inspirado na medieval Roda dos Expostos, se têm multiplicado na última década, em países como a Suíça, Alemanha, Itália e Inglaterra, de forma a combater o infanticídio ou o abandono de recém-nascidos na rua.
Nos casos em que as mães escondem as suas gravidezes e estão debaixo de uma grande pressão psicológica, o pânico gerado no momento do parto (muitas vezes sem qualquer assistência, como sucedeu com a jovem que abandonou o bebé esta semana em Lisboa) pode influenciar a mulher a querer “livrar-se” rapidamente do bebé, abandonando-o à sua sorte.
Algumas ainda repetem os exemplos do passado, deixando as crianças embrulhadas num cobertor à porta de uma igreja ou de um hospital, de forma a que possam ter um futuro com outra família, mas o receio de uma acusação pelo crime de abandono foi afastando muitas mulheres para becos mais escuros. Por isso, nas cidades onde foram criadas as “caixas seguras”, ou “ninhos de bebé”, há o compromisso legal de não identificar quem deixa uma criança, e de esse ato não ser criminalizado ou julgado, de nenhuma forma.
Na Alemanha, por exemplo, onde foram instalados cerca de 90 dispositivos destes no exterior ou nos arredores dos hospitais das principais cidades na última década, um bebé abandonado é encaminhado para uma instituição e aguarda oito semanas até ser entregue para adoção. Durante esse período, as mães podem arrepender-se.
Apesar de inspiradas nas “rodas dos expostos”, estes sistemas oferecem condições muito diferentes das dos tempos medievais. São caixas aquecidas, com uma luz ténue, colchões e cobertores. Quando um bebé ali é deixado, são ativados sensores que avisam as equipas médicas de serviço.
Tal como há centenas de anos, há bebés que são deixados com pequenas “lembranças” da mãe que nunca irão conhecer: um boneco de peluche, um lenço bordado, um fio ou uma pulseira. Há quem deixe cartas, justificando o desespero, ou apenas um bilhete, com informações consideradas importantes, como a indicação do seu primeiro nome: “Chamo-me Maria.”
Outros ainda são deixados nestas caixas à pressa, muitas vezes nus, sem nada. Mas as mães que ali os abandonaram deram-lhes, ao menos, a hipótese de um futuro.