Era alguém muito à frente do seu tempo, um ser dotado de uma curiosidade insaciável, o que o levou a explorar ideias e caminhos novos nas Ciências, na Matemática, na Arquitetura, na Engenharia, na Escultura, no Desenho – sim, a lista parece infinita. Uma das explicações para tanta diversidade de interesses, já o alegaram, seria a sua hiperatividade. Mas se o trabalho na pintura, embora mais conhecido, é relativamente escasso – são menos de 20 as obras que lhe são atribuídas, e mesmo assim Mona Lisa e A Última Ceia estão entre as mais famosas do mundo – o resto do seu labor segue dotado dessa capacidade de nos deslumbrar e revelar um pouco mais de um homem que, e esta também é uma verdade universal, era simplesmente um génio.
Leonardo da Vinci, figura mais importante da época do Renascimento, desaparecido no mesmo ano de 1519 em que o “nosso” Fernão Magalhães iniciou a circum-navegação, deixou um legado imenso de esboços e diagramas das suas invenções. Em muitos casos, tinha já perdido o interesse em construí-los. Noutros, nunca conseguiu convencer um mecenas a financiar a sua construção. Isto tudo para dizer que quase nenhuma das invenções registadas por Da Vinci viu a luz do dia durante a sua vida. E como ele nunca publicou o que tinha guardado nos seus cadernos, só se vieram a conhecer muitas das suas criações depois da sua morte.
Um desses desenhos data de 1502 e era nada mais nada menos do que o projeto do que teria sido a ponte mais longa do mundo à época. Qualquer coisa como 280 metros de comprimento. Fascinados com tamanha criação, uma equipa de engenheiros do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) resolveu testar o projeto a ver se funcionaria.
Os resultados foram apresentados na semana passada, numa conferência que decorreu em Barcelona, Espanha, e, de acordo com um comunicado daquela universidade americana, trata-se de um projeto que Da Vinci chegou a apresentar ao sultão Bayezid II: aquele governante do Império Otomano entre 1481 e 1512 andava à procura da melhor forma de atravessar o Corno de Ouro, estuário natural do rio que separava as cidades de Galata e Istambul.
A proposta não foi aceite na altura, mas a sua ideia não deixou de inquietar as mentes do MIT, que estudaram não só o desenho como os materiais que teria disponíveis e ainda as condições de construção à época. Foi assim que erigiram um modelo à escala, para testar a sua estabilidade e a forma como a ponte reagiria a diferentes condições.
Vista à luz dos padrões da época em que foi inventada, a ponte teria um design absolutamente inovador por oposição aos então populares arcos semicirculares, que precisariam de pilares colocados ao longo do vão da ponte, para suportar o seu peso. Da Vinci propôs antes um arco achatado, que permitisse tráfego no rio e pessoas a pé na ponte, tudo ao mesmo tempo.
“Era algo incrivelmente ambicioso”, disse à CNN Karly Bast, a estudante do MIT que levou o projeto avante. “Era 10 vezes maior do que as pontes típicas da época”. E não só: “era também bastante mais sofisticada geometricamente, com muito mais curvatura e tridimensionalidade do que as pontes típicas”, acrescentou John Ochsendorf, professor de arquitetura e engenharia civil e ambiental no mesmo MIT, que acompanhou todo o trabalho.
Um desses detalhes a que se refere é exatamente a forma como Da Vinci pretendia estabilizar a ponte contra oscilações laterais e terremotos: a ideia era que os pilares de suporte da ponte em cada extremidade do arco se espalhassem para fora, tudo em pedra, já que nem a madeira nem o tijolo seriam escolha possível naquele caso. Aliás, quando se avançou para uma ponte neste estilo reconhecidamente romano foram utilizados andaimes para manter as pedras no lugar.
Agora, o modelo construído incluía 126 blocos impressos em 3D e montados em conjunto para fazer uma ponte de 80 centímetros. Os investigadores usaram a mesma técnica: uma vez que a pedra angular final já estivesse no lugar, os andaimes poderiam ser removidos. “Tinha algumas dúvidas de que pudesse resultar, mas depois fui vencido pelo poder da geometria. A verdade é que todo o conceito da ponte é muito sólido. Foi muito bem pensado”, anuiu a mesma Karly Bast.
A seu lado, o professor Ochsendorf reconhecia que, se a ponte fosse construída hoje, provavelmente seria feita de aço ou betão. “A nossa intenção era verificar se aquele design era viável no momento da sua criação”. Daí que tenham até testado a sua estabilidade, simulando o que poderia ter acontecido se houvesse um terramoto – e sim, a ponte aguentou-se.
“O que podemos aprender com o design de Leonardo da Vinci é que a forma de uma estrutura é muito importante para sua estabilidade”, considerou ainda Karly Bast. “É um exemplo de que a engenharia e a arte não são independentes uma da outra.”