Num destes fins de semana de verão, Tracy Ruble e outras 20 pessoas sentaram-se em cadeiras vazias no canto de uma rua de São Francisco,nos EUA, à espera de quem quisesse companhia para conversar. Rapidamente, a ideia ganhou vida própria. Já Adam Paulman participou numa “festa do abraço”, na vizinha San Diego, onde cerca de 30 pessoas pagaram 20 dólares (perto de 18 euros) para se tocarem, sem quaisquer intenções sexuais. Ao mesmo tempo que estas iniciativas proliferam, as autoridades de saúde vêm a público alertar que há uma “epidemia de solidão”, condição mais prejudicial que a obesidade e tão nociva quanto fumar 15 cigarros por dia. As estatísticas conhecidas batem certo com este retrato: mais de metade dos adultos na América considera que ninguém os conhece e 46% admitem que se sentem sozinhos, muitas vezes ou mesmo sempre.
Não há diferenças por género ou origem – as diferenças neste capítulo são determinadas pela idade. A chamada geração Z, dos nativos digitais, é aquela que se sente mais sozinha. Uma razão óbvia será a hiper-conectividade, mas de acordo com a amostra apresentada, não há variação relevante entre os que usam muito ou pouco as redes sociais. O fator que define se a pessoa se sente mais ou menos sozinha é a frequência com que mantém relações pessoais face a face. E o dramático de todo este isolamento é que pode ter consequências fatais, como alertou Julianne Holt-Lunstad, professora da Universidade Brigham Young, durante uma declaração perante o Senado americano, em 2017, na qual ela sublinhou que este é um problema que se está a tornar estrutural.
As respostas do mercado para esta questão não demoraram. Entre as primeiras está a CareMore Health, que oferece um programa chamado United, em planos de saúde para idosos e pessoas com recursos limitados, que trata da solidão como uma condição de saúde que pode ser diagnosticada, prevenida e tratada. Na prática, consiste em ligações telefónicas semanais, visitas à casa do paciente, incentivo pessoal e programas comunitários. Desde então a oferta não parou de crescer: veja-se o caso de Chuck McCarthy, que criou o The People Walker, a explicar que o seu serviço é uma resposta às empresas que investem milhões de dólares para que as pessoas se sintam sozinhas diante de uma tela. “Quando alguém está a andar, não está nas redes sociais, não está a assistir a serviços de streaming, nem a jogar ou a comprar online”, afirma, citado pelo El País. Todos os seus caminhantes passam por um processo de solicitação e verificação de registos criminais. E claro que o local é vigiado durante aquela jornada.
Há ainda o Rent a Friend, que já leva dez anos nos EUA e tem mais de 600 mil “amigos alugados” em vários países do mundo. Os utilizadores pagam entre cinco e dez euros à hora e o protocolo a seguir é simples: encontrarem-se em locais públicos, ter o telemóvel à mão, contar a um conhecido onde estarão e a que horas devem regressar. A ideia é do empreendedor Scott Rosenbaum, que se inspirou numa aplicação japonesa, em que as pessoas pagavam para terem alguém – um estranho… – a acompanhá-los a um funeral ou a um jantar em família, depois de um divórcio. Rosenbaum explica que os utilizadores conversam primeiro com vários candidatos e, depois, quando encontram o que procuram, contratam os seus serviços. Aqui, ao contrário das festas de abraços – encontros noturnos criados há já 15 anos – o objetivo é conhecer pessoas e criar laços, assegura Paulman, participante há mais de cinco.
Tracy Ruble, terapeuta, reconhece que o facto de existirem tantas iniciativas para combater a solidão “demonstra quão grande é o problema e que foi isso que a levou a fundar a Sidewalk Talk – a tal ideia de génio que a fez juntar alguns amigos e sentarem-se na rua, em frente a cadeiras vazias, para que aqueles que quisessem falar com eles o fizessem. Foi tal o sucesso que rapidamente a experiência se tornou uma organização, radicada em vários países – e registando apenas dois episódios efetivamente negativos, reconhece Ruble. No entanto, e sem querer julgar quem opta por pagar por serviços que vivem do que é considerado uma doença, aquela especialista não tem meias palavras para ir ao cerne da questão: “o que é preciso é que as pessoas, na sua maioria, recebam salários decentes. Quando se tem dois e três empregos para se poder subsistir, fica-se de tal forma exausto que dificilmente se tem vontade de estar com alguém.”