Este é um daqueles artigos científicos que não dispensa um bom conhecimento de filosofia. Para perceber o efeito da testosterona no ser humano a nível moral propomos-lhe que recorde duas teorias filosóficas básicas que certamente aprendeu na escola e, mesmo que não esteja na ponta da língua, ainda não esqueceu.
Imagine que se encontra numa sala de controlo de um comboio que se desloca a alta velocidade. O comboio circula em alta velocidade e em breve atingirá um grupo de cinco pessoas, causando a sua morte imediata. Na sala onde o leitor se encontra existe um mecanismo que altera o rumo do comboio para outra linha, linha essa onde está uma pessoa. A decisão é sua: aciona o mecanismo para salvar a vida de cinco pessoas, matando uma? Ou priva-se de praticar uma ação que propositadamente assassina um ser humano?
Parece uma situação ridícula, mas a História já nos mostrou que facilmente nos deparamos com este tipo de dilemas. Considere, por exemplo, os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki. Os ataques dos EUA ao império do Japão em 1945 fizeram, em conjunto, mais de 200 mil mortos. Contudo, a carnificina determinou o fim da Segunda Guerra Mundial, um conflito que, a prosseguir, causaria mais centenas de milhares de vitimas por todo o mundo e por tempo indeterminado. A dúvida é a mesma: mudaria a direção do comboio, fazendo explodir Hiroshima e Nagasaki, para terminar uma guerra que diariamente assassinava milhares?
Se estivessemos no século XVIII, Immanuel Kant diria que não. Mas no século XIX, Stuart Mill responderia que sim. São dois filósofos incontornáveis na História, ainda que defendam posições distintas relativamente aquilo que deve ser o comportamento do ser humano. A ética deontológica de Kant considera que os princípios morais devem sempre orientar as nossas decisões. O utilitarismo de Stuart Mill prioriza a felicidade e o bem-estar do maior número de pessoas possível.
O que nos trouxe a esta discussão filosófica foi a testosterona. “Tem havido um crescente interesse em como as hormonas influenciam os julgamentos morais, regulando fundamentalmente a atividade cerebral”, afirma Bertram Gawronski, professor de psicologia da Universidade do Texas em Austin, citado pelo site Medical Xpress. Foi um dos investigadores responsáveis pelo novo estudo publicado na Nature Human Behaviour.
As investigações feitas até então nesta área indicavam que a testosterona promovia decisões utilitaristas. Contudo, os investigadores colocaram a hipótese à prova numa experiência “às cegas” que consistiu em administrar testosterona a um grupo de 100 participantes e um placebo a outros 100 participantes.
O resultados do teste foram exatamente opostos aquilo que se havia provado até ao momento. Assim, a relação entre os níveis de testosterona e a forma como agimos moralmente é mais complexa do que alguma vez se considerou. Bertram Gawronski explica o sucedido desta forma:
“O trabalho que desenvolvemos desafia algumas hipóteses dominantes sobre os efeitos da testosterona nos julgamentos morais (…) As nossas conclusões enfatizam a importância de distinguir entre causalidade e correlação na pesquisa sobre os determinantes neuroendócrinos do comportamento humano, mostrando que os efeitos dos suplementos de testosterona nos julgamentos morais podem ser opostos à associação entre a testosterona natural e os julgamentos morais”.