Jan Stocklassa não gosta lá muito de teorias da conspiração, mas há nove anos que não se dedica a outra coisa. Tentar descobrir quem matou o primeiro-ministro sueco Olof Palme, a 28 de fevereiro de 1986, em Estocolmo, é uma espécie de passatempo nacional sueco. Para alguns chega a transformar-se em obsessão. Ainda não é o seu caso. “Ninguém é indiferente a este crime que abalou o país”, diz à VISÃO. “É uma ferida aberta no nosso orgulho, porque não sabemos quem o cometeu. Como todas as feridas que não saram, basta mexer um bocadinho para voltar a sangrar.” Em Stieg Larsson – Os Arquivos Secretos e a sua Alucinante Caça ao Assassino de Olof Palme (já nas livrarias portuguesas, numa edição da Planeta) acredita ter desfeito o mistério. “Não acuso ninguém, pois esse é o trabalho da polícia. Mas quem ler o meu livro com atenção fica com uma ideia muito clara do que aconteceu. E de quem deve ser investigado.”
Stieg Larsson – Os Arquivos Secretos... poderia ser apenas mais uma obra deste filão que, desde 1986, anima as editoras suecas. Há sempre quem queira acrescentar um ponto ao conto. E, por sadismo ou demência, mais de 100 pessoas já se apresentaram como culpadas. No entanto, dois ingredientes distinguem este livro dos demais. A convicção do autor de ter encontrado a pista certa. E a ajuda que Stieg Larsson lhe deu. O autor da trilogia Millennium, um dos policiais de maior êxito nas últimas décadas, com mais de 80 milhões de livros vendidos em todo o mundo, era, também ele, um obcecado com a morte de Olof Palme. Não só foi o autor do mapa de Estocolmo que reconstituiu os últimos passos do primeiro-ministro sueco e a eventual rota de fuga do assassino (publicado em jornais de todo o mundo em 1986)mas também recolheu até à sua morte, em 2004, um sem-fim de documentação.
Larsson era ilustrador na agência de notícias TT, a maior da Suécia, e jornalista de investigação. Destacava-se, sobretudo, pela cobertura dos movimentos de extrema-direita. Herdara do avô Severin, com quem viveu até aos 9 anos, o ódio ao nazismo e a todos os partidos que partilhavam a mesma “ideologia ignóbil”. Além de publicar na Suécia, também assinava regularmente textos em Inglaterra, como correspondente do jornal Searchlight. Quando Olof Palme morreu, os seus conhecimentos revelaram-se muito úteis. O primeiro suspeito detido pela polícia, Victor Gunnarsson, era apresentado como um homem de 33 anos, de direita, anticomunista e fã dos EUA. Stieg Larsson nunca mais largou o caso.
O grande tesouro
Jan Stocklassa, no entanto, ignorava por completo a obsessão do famoso escritor sueco, que só conhecia dos romances. Numa fase difícil da sua vida, entre empregos – formado em Arquitetura, fez carreira diplomática e hoje lidera uma empresa de software – e com um casamento em ruínas, começou a interessar-se pela relação entre os crimes e os lugares onde ocorrem. Chegou a dedicar-se a uma casa onde tinham sido cometidos dois crimes de grande violência. Pouco tempo depois, apercebeu-se de que nessa mesma casa viveu Alf Enerström, médico que chegou a estar no radar dos suspeitos da polícia e que nunca escondeu a oposição ao primeiro-ministro sueco. À medida que entrava no admirável universo Olof Palme, a sua investigação sobre os espaços ficava para trás. Sem arrependimentos. “Qualquer dia, volto a ela”, garante. O que encontrou era demasiado importante.
Ao querer saber mais sobre o médico, Jan Stocklassa chegou à fala com Anna-Lena Lodenius, que com Stieg Larsson escreveu o livro A Extrema-Direita, publicado em 1991. E através dela chegou ao que considera ser um “tesouro de valor incalculável”: os arquivos secretos (ou, pelo menos, há muito “escondidos”) do autor de Millennium, hoje à guarda da revista Expo, que fundou. “De início, pensava que seriam só uns papéis, mas quando me levaram a um armazém nos arredores de Estocolmo, deparei-me com 20 caixotes cheios.” Abria-se um mundo de possibilidades. “Trinta anos de teorias, hipóteses e contra-hipóteses não deram em nada”, explica com o entusiasmo de quem conhece bem o historial. “O pequeno núcleo duro dos factos encontra-se coberto por uma camada obscura de presunções e mentiras.” Para quem queira navegar em segurança neste mar de hipóteses e suspeitos, a única solução é regressar ao início. Foi o que fez.
Nos arquivos de Stieg Larsson, Jan Stocklassa pôde reconstituir passo a passo o evoluir da investigação da polícia – bastante amadora, por sinal. “O arrastar da descoberta do assassino de Olof Palme pode ter muitas explicações, mas a primeira será sempre a incompetência das forças de segurança”, garante. O que mais o surpreende, aliás, é o facto de as principais pistas que hoje apresenta estarem em cima da mesa desde o início.
Na altura, Victor Gunnarsson foi rapidamente liberto, com um bom álibi, e Christer Pettersson também. Este homem, visto no local à hora do crime, foi o preso mais mediático. Ato de uma só pessoa foi, sempre, a tese mais forte. E conveniente. As autoridades precisavam de apresentar um culpado. Com problemas de álcool e cadastro, Pettersson ajustava-se. Foi condenado, mesmo sem provas diretas, e mais tarde absolvido. Passou o resto da vida, até morrer em 2004, a alimentar dúvidas. Se lhe pagassem bem, ia à televisão dizer que era o culpado.
A polícia também procurou organizações que pudessem estar interessadas na morte do governante, uma das figuras mais populares da Europa dos anos 80. “Só que apostaram, durante um ano, na direção errada, o PKK”, diz Stocklassa, porque o movimento curdo tinha sido integrado na lista de grupos terroristas por Palme. Só mais tarde se seguiu a pista a que Larsson chegara rapidamente: África do Sul. “Ao denunciar o Apartheid, Olof Palme também estava a condenar e a expor os negócios à volta do petróleo e das armas, que passavam pelo Irão e pela Nicarágua”, defende. “Se com a morte do primeiro-ministro queriam eliminar a Suécia do xadrez internacional, numa altura em que desempenhava um papel muito importante, esse objetivo foi totalmente alcançado.”
Stocklassa nem sempre segue as pistas de Stieg Larsson, que era muito caótico na sua obsessão e não dispunha de meios hoje banais. “A internet ajuda muito”, garante. E viajar também. Para fortalecer a sua tese, esteve na República Checa, no Chipre e na África do Sul. Falou com antigos agentes de serviços secretos e gente “muito bem relacionada”. Hoje, contenta-se com o facto de a polícia sueca ter pedido para ler o livro antes da sua publicação. “Há novas provas, como um walkie-talkie que só passados estes anos todos foi entregue à polícia, e novas inquirições”, diz. Por isso, afirma: “Este livro não é a última palavra. Mas se tudo correr bem, poderemos daqui a um ano ou dois dizer a frase há muito impronunciável: detivemos o homem que matou Olof Palme.”