Três vezes por dia, Filipa Jordão pega na sua barra dentífrica com sabor a matcha (chá verde japonês) e dá-lhe uma trinca. Depois mastiga, espalhando-a pelos dentes e, com a ajuda da escova de bambu, termina a lavagem da boca. Desengane-se quem pensa que esta “pasta de dentes sólida” se parece com um sabonete. “Não é áspera. É quase como uma barra de chocolate, só que mais mole”, descreve a professora de música, 33 anos. Autora do blogue A Face Verde, sempre preferiu os produtos da terra, cultivados sem fertilizantes. E já que comprava cabazes de fruta e de legumes biológicos, pensava: “Porque haveria de usar químicos na pele?” Além disso, Filipa tem a preocupação em reduzir o consumo de plástico.
Já não usava champôs convencionais com químicos, mas, na mudança para a versão sólida, foi difícil de perceber qual o melhor para o cabelo dela. Descobriu a Saponina e os produtos feitos por Liliana Dinis. A técnica consiste em aplicar o champô sólido diretamente no cabelo molhado ou em esfregá-lo nas mãos húmidas antes de massajar a cabeça. Já a barra redonda do desodorizante, a professora prefere molhá-la antes de aplicar nas axilas. Faz o mesmo efeito de um roll-on comum, só que ela continua a transpirar e, mesmo praticando crossfit, Filipa garante que não cheira a suor.
Liliana Dinis trabalhou mais de 20 anos na indústria da cosmética de luxo, em que 70% da poluição proveniente do setor se deve à embalagem. Quando, há dois anos, para fazer face ao problema da pele atópica da filha pequena, criou a marca Saponina, a que deu o nome da molécula que faz naturalmente espuma, sabia muito bem o que não queria. Nada de lauril éter sulfato de sódio, parabenos (disruptor hormonal que consegue imitar as nossas hormonas) ou todos os derivados do petróleo, como a parafina líquida ou o petrolatum.
Formada em Cosmetologia, começou pelos sabonetes, mas hoje já tem desodorizantes, dentífricos e champôs sólidos e óleos de corpo. As pastas de dentes, sem qualquer tipo de intensificador, como os convencionais, são feitas à base de bicarbonato de sódio, argila e óleos essenciais. O desodorizante, sem alumínio, é composto por bicarbonato de sódio, argilas, óleos e manteigas – uma barra custa €3,50, mas dura à volta de três meses. Já os champôs levam argilas, manteigas, óleos essenciais e vegetais.
Extravagâncias sólidas e naturais
Estávamos no final dos anos 80 quando Mo Constantine inventou a barra de champô sólido. Alguns anos mais tarde, em 1996, juntamente com o marido Mark, fundou a marca britânica Lush, que tem duas moradas em Portugal – nos centros comerciais Amoreiras, em Lisboa, e Oeiras Parque. Só o champô sólido (equivalente a três garrafas de 250g) permite poupar, por ano, cerca de seis milhões de recipientes de plástico. Recentemente, a Lush criou uma alternativa sólida ao gel de duche líquido. “Não é surpresa que entre 40% e 50% do custo de um produto deriva da sua embalagem. Logo, retirá-la dá espaço para adicionar mais e melhores ingredientes”, analisa Daniel Campbell, cientista de cosmética e inventor do gel.
A marca tem ainda versões sólidas de produtos para cuidar do rosto: óleos, creme de limpeza, bálsamo de limpeza, disco desmaquilhante… Os quatro novos champôs sólidos de proteína vegan são feitos de aquafaba, que mais não é do que a água do grão-de-bico, um líquido denso com várias propriedades semelhantes à clara de ovo que, além de espessar a mistura, serve para fortalecer o cabelo fino. E porque a maquilhagem também não tem de ser tóxica, a novidade são os 13 batons, todos em tons de rosa, banhados com uma cera protetora (o que permite abdicar da embalagem) e desenhados para caber numa embalagem de batom comum reutilizável.
Este nicho de negócio está em expansão. Dois anos após o lançamento da Mind The Trash, primeira loja online em Portugal que comercializa produtos orgânicos e ecológicos, a marca faz hoje cerca de uma dezena de envios por dia. O negócio, já com um catálogo de 220 produtos, nasceu como uma simples página em que Catarina Matos, arquiteta de profissão e estudante de Cosmética Orgânica por curiosidade, partilhava descobertas de artigos e novos hábitos.
No último ano, Catarina experimentou mais de 15 champôs sólidos até chegar à fórmula que agrade aos consumidores mais céticos, aqueles que não abdicam da espuma para ter a sensação de lavagem completa. Esta semana, precisamente, Catarina prepara-se para lançar os champôs sólidos de marca própria (80g/€8), retirando da lista de ingredientes o composto químico lauril éter sulfato de sódio, substituído por derivados de óleo de coco (Sodium Coco Sulphate e Sodium Cocoyl Isethionate), que mantêm o poder de fazer espuma.
Regresso à terra
O livro A Senhora do Monte, editado pela Chá das Cinco (205 páginas, €16,60), começou por ser um bloco de notas de Cláudia Costa e de Tiago Lucena, num ciclo de vida que apostou numa existência mais natural. O título remete para um processo de mudança da cidade para o campo que o casal deu início em 2010, quando partiu de Lisboa para a zona rural de Santarém. Atualmente, mora em Mafra.
A obra, com lançamento marcado para esta sexta-feira, 10, reúne mais de 70 receitas de higiene pessoal e de limpeza da casa, com soluções orgânicas caseiras para o dia a dia, feitas com produtos naturais fáceis de encontrar, de uso simples, desde o bicarbonato de sódio à cera de abelha, passando pelo gel de aloé vera ou o amido de milho. O capítulo dedicado à higiene ensina a fazer pasta de dentes, desodorizantes, sabonete e gel de banho, champô e amaciador, cremes de depilação e de barbear. Mais à frente, há receitas de perfumes, tónicos, exfoliantes, máscaras e produtos de maquilhagem. Ali se aprende a fazer uma base mineral em pó com bicarbonato ou com amido de milho, um aftershave com gel de aloé vera, uma pasta de dentes com canela e noz-moscada, um blush de beterraba… Para um regresso à terra em beleza.
