Verdadeira ou falsa?
Teste a sua apetência para identificar as imagens reais e detetar as montagens. Soluções no final do texto
Ver para crer, como São Tomé, já não é suficiente. O Photoshop abriu horizontes na manipulação de imagens, mas o seu efeito ilusório será o equivalente a uma mentira de criança, à luz da mais recente tecnologia, baseada em Inteligência Artificial, que permite “criar um exército de pessoas falsas, que nunca existiram”.
Assim se refere Jevin West à capacidade de algoritmos “fabricarem” fotografias de rostos humanos, com um realismo até hoje nunca visto. Desde que lançou, há um mês, o site Which Face is Real, com um colega da Universidade de Washington, o académico posicionou-se na linha da frente dos ativistas que alertam para as implicações desta tecnologia. Entre os riscos, estão falsificações e burlas na internet, propaganda fraudulenta, envio massivo de emails mais credíveis (para pressionar um decisor político, por exemplo, dando a impressão de uma vontade popular expressiva) ou a desinformação nas redes sociais (imagine que um sistema de milhares de perfis falsos partilha uma dessas fotografias como sendo a de um suspeito de atentado, inexistente nas bases de dados e, por isso, mais difícil de descartar).
“Queremos que o público saiba que esta tecnologia existe e que suspeite de imagens implausíveis”, diz Jevin West à VISÃO, para justificar a criação do Which Face is Real. Na página inicial, o site exibe fotografias de rostos humanos e convida o utilizador a identificar os verdadeiros, disponibilizando dicas para ajudar a detetar as imperfeições nos falsos.
Máquinas a ensinar máquinas
Baseada no conceito de redes generativas adversárias, criado em 2014, a tecnologia foi depois desenvolvida pela NVIDIA, empresa de placas gráficas para videojogos, até apresentar resultados tão realistas como as fotografias que aparecem nestas páginas. Em traços gerais, funciona assim: a partir de um banco de imagens com milhares de rostos verdadeiros, um algoritmo “gerador” cria rostos fictícios; de seguida, um algoritmo “discriminador” avalia o seu grau de realismo e, se não cumprirem os requisitos programados, as imagens são devolvidas ao primeiro algoritmo para aperfeiçoamento.
Esta espécie de pingue-pongue traduz-se num processo de aprendizagem automática (machine learning) e tem possibilitado uma evolução tremenda da tecnologia, também já testada em gatos, automóveis e até em obras de arte. O princípio é sempre o mesmo: criar exemplares fictícios, através de sofisticados algoritmos, a partir de um banco de imagens reais. Foi o que fizeram três “artistas” franceses da computação: alimentaram a fonte com 15 mil quadros de pintores do século XIV ao século XX, e da interação dos algoritmos nasceu uma coleção de novas obras de arte. Em outubro, a Christie’s leiloou o primeiro desses quadros por 382 mil euros.
Na opinião de Arlindo Oliveira, presidente do Instituto Superior Técnico e especialista em Inteligência Artificial e machine learning, “não há razão para entrar em pânico”. A fabricação de fotografias de pessoas que não existem “parece uma ideia assustadora, mas não é assim tão diferente do que já se faz com áudios e vídeos”, nota, a propósito das tecnologias que permitem pôr alguém a dizer ou a fazer o que nunca disse nem fez, com uma veracidade cada vez mais convincente – a cantora Taylor Swift e a atriz Scarlett Johansson já tiveram as suas caras sobrepostas em vídeos pornográficos e um falso Barack Obama surge noutro a afirmar que “o Presidente Trump é um merdas”.
“É cada vez mais difícil distinguir o que é real do que é sintetizado e temos de nos habituar a um mundo em que as imagens não são garantia de autenticidade. Só se deve confiar quando são difundidas por várias fontes credíveis”, sustenta Arlindo Oliveira, confiante no aparecimento de soluções tecnológicas, “dentro de dois ou três anos”, capazes de identificar os falsos conteúdos.
Aviv Odavya, o norte-americano que introduziu o termo “infocalipse” para descrever o caos informativo que ameaça, nos dias de hoje, a perceção da realidade, não se mostra tão otimista. Apesar de reforçar, à VISÃO, a necessidade de investir em tecnologia preventiva, Aviv não deixa de sublinhar que a tecnologia de multiplicação de rostos humanos é mais um exemplo de que, “enquanto sociedade, não conseguimos acompanhar o ritmo da transformação tecnológica”.
Como identificar os falsos
As imagens fictícias estão cada vez mais aproximadas das reais, mas ainda há imperfeições que ajudam a distinguir os rostos produzidos por computador. Jevin West, coautor do site whichfaceisreal.com, exemplifica com a “textura da pele e o cabelo estranho” ou a “assimetria” em adereços como óculos e brincos, além dos fundos desfocados. Por outro lado, se alguém desconfiar da veracidade de uma fotografia, West sugere que se solicite outra, uma vez que “a tecnologia não consegue criar duas imagens da mesma pessoa em poses diferentes”. O site oferece ainda outras pistas para treinar a identificação de falsos perfis, embora antecipe também que, no futuro, com o aperfeiçoamento da tecnologia, a tarefa será cada vez mais difícil. Manchas de água, assimetrias nos pelos faciais (sobrancelhas e barba), cores desbotadas e dentes fora do lugar são sinais que denunciam as criações dos algoritmos.