Naquela noite não tinha ido ver o F.C. Porto, o seu clube de sempre, porque o filho acabara de nascer. Tinha 36 dias. Como era costume aos domingos à noite, preparava-se para se sentar em frente à televisão e seguir o comentário político de Marcelo Rebelo de Sousa. Foi quando o telefone tocou. Era um amigo a dizer: ‘houve um acidente na ponte e estão a ir ambulâncias e bombeiros para lá. É melhor ires lá ver’. E ele foi, claro. Foi e só voltou a casa dois dias depois.
Paulo Teixeira está sentado num banco na praça principal de Castelo de Paiva, junto à Câmara Municipal, e as memórias quase se atropelam, relatando ininterruptamente os acontecimentos seguintes. Diz que quando ia a caminho não tinha a menor noção do cenário que o esperava: “pensei que, como a ponte era estreita e não deixava passar um pesado e um ligeiro ao mesmo tempo, eventualmente se teriam enfaixado ou algo assim.”
Ao chegar junto à margem encontrou logo um antigo inspetor dos bombeiros desesperado porque, com a tempestade, nenhum dos seus telefones funcionava. Paulo Teixeira avançou para o tabuleiro até que ouviu uma senhora a dizer-lhe: ´Ó senhor presidente não ande mais que não há mais ponte’.
Para quem saíra de casa convencido de que estaria de volta em poucos minutos, o engano foi absoluto. Haveriam de passar dois dias até voltar a ver a mulher e o filho recém-nascido, naquilo que diz ser a segunda vez que sentiu na pele a incúria do Estado: vinte anos antes, em 1981, o pai morrera num acidente de carro num cruzamento que há muito pedia um novo desenho. “Depois disso, fizeram lá uma rotunda gigante. Nunca mais houve mortes.”
Seguir-se-iam outros tantos dias praticamente sem ir a casa, tornando-se uma espécie de bombeiro involuntário. Aquela seria também a noite em que deixou de ser um mero desconhecido para se tornar o rosto de uma terra esquecida.
Todos acorrem então para lhe dar a mão, mas seria a proximidade a António Guterres, à época primeiro-ministro, que o marcaria para sempre. Apesar de serem de cores políticas diferentes, guarda-lhe uma enorme gratidão. “Pediu-me logo a lista de necessidades do concelho e o que me prometeu cumpriu. Muitas vezes há políticos que se comprometem e depois vão-se embora. Como é que posso cobrar a um ministro uma promessa feita pelo anterior?”
O PSD não gostou – menos ainda quando se soube que apoiaria Guterres para a presidência. Paulo Teixeira não se arrepende: “Nós passámos horas e horas a conversar. Ele estava muito fragilizado – já tinha perdido a mulher, o seu braço direito no governo demitira-se – mas foi sempre de uma humanidade incomparável”. Da memória daqueles dias, resta-lhe apenas uma dúvida, mas de natureza técnica. “Quando se tentou puxar o autocarro com uma alavanca, a corda partiu. Nunca saberemos se não houve corpos que se soltaram nesse momento e se perderam irremediavelmente…”.
Em 2009, saiu da câmara e voltou ao setor privado. Dez anos depois da tragédia lançou A Ponte de Portugal, livro que reúne o seu relato dos acontecimentos. Hoje vereador do executivo municipal da sua terra reafirma: “Teria feito tudo outra vez.”
Por tudo o que se passou à época vai deixando outros alertas: “Por exemplo, ainda não foi feita uma cartografia do rio. É também preciso fazer o desassoreamento do Douro, sob pena de os barcos encalharem e virarem. Estamos a falar de 600 mil pessoas – turistas e embarcações comerciais – que passam aqui todos os anos.”
Paulo Teixeira fala de grandes quantidades de sedimentos de areia que o Douro recebe do Paiva e do Tâmega. “São 200 mil metros cúbicos que se deviam tirar anualmente. Está consagrado em Diário da República. Há zonas cujo calado são 9 metros, mas desde 2003 nunca mais se tirou areia do Douro. Não nos podemos dar ao luxo de ter aqui outra tragédia.”