Dela, não se sabe nada. Sobre o que lhe aconteceu, sabe-se apenas o que revelou a autópsia: que das três uma: ou caiu de uma grande altura, ou foi atingida por um barco ou foi atirada contra as rochas pelas ondas. Não é possível determinar com exatidão quanto tempo esteve no mar e nem as análises de ADN nem de impressões digitais resultaram numa pista que seja sobre a sua identidade. Também não apareceu nenhum familiar a reclamar o corpo e não consta de nenhuma base de dados de pessoas desaparecidas. A polícia distribuiu um retrato, obra de um artista forense, que apresenta uma mulher de cabelo castanho pelos ombros, olhos escuros, um rosto agradável, um leve sorriso; Ascendência europeia e uma idade algures entre os 25 e os 55 anos. O retrato mostra ainda dois colares, eventualmente distintivos, já que um deles tinha um pendente que parece antigo. Mas sem resultado também – A identidade da mulher é oficialmente um mistério.
Chamemos-lhe, então, a “A Senhora Desconhecida”, que é o nome a que se resignaram as autoridades e não será difícil imaginar um funeral nestas circunstâncias. A iniciativa de duas mulheres, no entanto, a que rapidamente a comunidade aderiu em massa, mudou esse desfecho previsível e, no mês passado, mais de 100 estranhos compareceram às cerimónias fúnebres organizadas pela câmara. Supermercados e floristas doaram coroas e outros arranjos de flores, a campa teve direito a uma lápide onde se lê “Linda Senhora Desconhecida” e um hotel local abriu as portas para uma pequena receção.
As duas mulheres, que organizaram tudo por telefone e e-mail, só se conheceram no dia no funeral. Mas tanto Christina Martin, 38 anos, responsável pela saúde pública dos distritos administrativos de Rother e Wealden, como Sara Taylor, 41, que tomou conhecimento da história através da Internet, não querem ficar por aqui e continuam a tentar encontrar a família da vítima.
“Foi um momento extraordinário, quando vi pessoas até onde a vista alcança”, recorda Christina. “Éramos um grupo de pessoas que não se conheciam mas todos partilhávamos um pensamento – se fosse a nossa mãe, a nossa irmã ou filha, esperaríamos que alguém estivesse lá para ela”, resume, por seu lado, Sarah.
Aos meios de comunicação britânicos, Christina explica ainda como o caso é diferente de todos os que já lhe passaram pelas mãos: “Em 20 anos, o nosso conselho nunca teve de lidar com uma pessoa desconhecida nessas circunstâncias. Normalmente recebemos um telefonema da polícia com o nome e a morada para começar a nossa investigação. Fazemos uma busca domiciliária e eu vasculho listas de contactos, mas com a senhora desconhecida deparei-me com um vácuo absoluto.”
Essa ausência total de pistas – a polícia também está às cegas – fez a responsável virar-se para as redes sociais. “Parte do meu trabalho é garantir não só que alguém é cremado ou enterrado, mas dar-lhes um funeral digno”, justifica. As empresas que se ofereceram desde logo para ajudar foram várias, mas o caso tocou também Sarah, cujo internamento hospitalar de cinco meses, no início do ano, a confrontou com a solidão de vários idosos doentes e a deixou “mais sensível” a esta história.
“O conselho estava a tratar do funeral e, então, eu pensei: tenho de fazer as outras pessoas saber”. E Sarah espalhou a palavra nas longas viagens de comboio diárias e no Facebook. “Tentei garantir que apareciam tantas pessoas quanto possível. Pensei que podiam ser 20, por isso foi incrivelmente comovente quando vi mais de 100.”
E não se pense que a “Linda Senhora Desconhecida” não teve direito a umas palavras durante a cerimónia, que não foi religiosa, por se desconhecer (também) esse dado, mas Sarah fez um pequeno discurso, houve quem lesse poesia e todos terminaram a cantar o Hallelujah de Leonard Cohen.
Agora, a ideia é traduzir o apelo da polícia em várias línguas e dar-lhe alcance internacional e Sarah espera ainda lançar uma campanha para a qual vai tentar conseguir o apoio de celebridades. “Tudo o que espero é que um dia a família apareça e lhe dê um nome”.