A escolha da ligação Sacavém-Montijo para a construção da Ponte Vasco da Gama foi muito pouco consensual. Para técnicos e associações ambientalistas, a opção óbvia era a que ligava Chelas ao Barreiro, com o intuito de proteger a baía de Alcochete, mais delicada, da pressão urbanística.
Hoje, passados vinte anos da sua inauguração – que aconteceu em março de 1998 com a célebre feijoada, inscrita no livro de recordes do Guiness – é certo que a construção, em pleno Parque Natural do Estuário do Tejo, trouxe vários benefícios. E não estamos a falar de imobiliário.
Confirmou-se, tal como se temia, “a pressão ambiental em Alcochete, com um aumento da implantação humana”, nota José Lino Costa, investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), que participou no estudo de impacto ambiental. Mas os pilares, fundos, construídos para sustentar a ponte de 12,3 km de comprimento, também acabaram por funcionar como um berçário de corvinas. Esta espécie gosta de estar em profundidade, sobretudo na fase da reprodução. E os fossos escavados acabam por funcionar como um excelente criadouro. Os machos instalam-se lá, fazem um som, parecido com o motor de um barco e que funciona como chamamento para as fêmeas, e, se tudo correr bem, dá-se o acasalamento. Os pescadores ali da zona sabem bem disso. E não é raro vê-los por ali, junto aos pilares.
Os montes de areia, colocados na margem provisoriamente e que entretanto passaram a definitivos, tornaram-se num banco de ervas marinhas e num viveiro de bivalves.
Quanto à zona da Expo em si, que também foi alvo de estudo e acompanhamento por parte de uma equipa do MARE, a intervenção só trouxe vantagens. De uma zona insalubre e praticamente sem vida, a capital passou a ter, em menos de vinte anos, um habitat rico em vida animal e vegetal. Recuperou-se o sapal, regressaram algumas espécies de minhocas, os bivalves, as aves – quem nunca se deliciou com a visão dos flamingos ao final da tarde?
Esta recuperação resultou do profundo trabalho de limpeza do fundo do rio, que estava contaminado com metais pesados das indústrias ali à volta, e da limitação das descargas no rio. Apesar de nem tudo ser perfeito – continuam a verificar-se problemas ambientais, como “as descargas de efluentes a montante, a redução dos caudais de água doce e o impacto de espécies invasoras, como a ameijoa-japonesa”, conclui-se num relatório do MARE -, o saldo é completamente positivo. De facto, há um antes e um depois da Expo98. E o futuro revelou-se bem melhor do que o passado.