Em outubro de 2015, a IARC (Agência Internacional de Investigação do Cancro) deixou meio mundo em pânico com o anúncio de que alimentos como bacon, presunto e salsichas eram “cancerígenos para os seres humanos”. Na mesma ocasião, as carnes vermelhas foram classificadas como “provavelmente cancerígenas”. Um mês mais tarde, a venda de carne em Portugal caía 5%; passados seis meses, alguns talhantes queixavam-se de quebras de 30% a 40%. No Reino Unido, os supermercados relatavam quedas superiores a três milhões de euros nos primeiros 15 dias após o relatório ter sido tornado público.
Entretanto, a IARC, ligada à Organização Mundial da Saúde, começou a ser acusada de alarmismo. Afinal, como se explica que as carnes processadas se encontrem no mesmo grupo de risco do tabaco, do álcool, do plutónio e do amianto? E como é que a serradura foi parar ao mesmo grupo? Quanto às carnes vermelhas, como vaca e porco, também não ajudou à imagem pública sobre a agência que estas ficassem ao nível do glifosato (um pesticida vilipendiado pelas associações ambientalistas).
Com o tempo, espalhada a confusão, os consumidores começaram a encolher os ombros. Se tudo mata, mais vale ignorar as notícias e viver a vida. Dois anos e meio depois, a situação normalizou-se, segundo uma fonte da Apicarnes – Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes, ouvida pela VISÃO. Hoje, garantem-nos, as vendas estão no mesmo patamar que se encontravam antes de outubro de 2015.
No meio de tanto ruído, a ciência passou para segundo plano. A verdade é que a IARC nem veio revelar nada de novo. Há muito que se sabe que compostos químicos (nitritos e nitratos) usados em carnes processadas são cancerígenos, devido à reação com aminas (que pode acontecer durante a fritura dos alimentos ou na digestão, devido aos ácidos presentes no estômago). Ainda que isso não seja a mesma coisa que dizer que o bacon faz tão mal como o tabaco, o perigo existe.
A solução possível
Em agosto de 1973, o The New York Times publicava um artigo com o título “Especialistas em alimentação e saúde avisam para não trazer o bacon para casa.” Assim começava o texto: “O nitrito de sódio é um químico que cura a carne, que faz com que esta tenha melhor aspeto e previne o botulismo. Mas também pode provocar cancro, e está a crescer a pressão para forçar os produtores a encontrarem um conservante igualmente eficaz para carnes e outros alimentos curados.” Um microbiólogo do MIT era citado a explicar que “não morremos necessariamente por comer um pedaço de bacon, mas há um pequeno risco”.
Mais de 40 anos depois, essa pressão sobre a indústria para encontrar uma alternativa aos nitritos e aos nitratos continuava a não resultar em nada, com a justificação de que não havia outras opções (os 18 meses de cura do prosciutto italiano, por exemplo, não são viáveis em produtos mais corriqueiros). O consumo de carnes processadas mantinha-se sólido, e os produtores não viam necessidade de mudanças drásticas. Entretanto, saiu o relatório da IARC, baseado na revisão de 400 estudos epidemiológicos, em que se atribuía um aumento de 18% do risco de cancro colorretal ao consumo de 50 gramas de carne processada, responsabilizando estes alimentos por 34 mil mortes anuais em todo o mundo. Dito de outra forma, porventura menos assustadora, o risco sobe de 5% para um pouco menos de 6%.
No início deste ano, saiu nova investigação que voltou a apontar os holofotes para a carne processada. Cientistas da Universidade de Glasgow, Escócia, analisaram dados recolhidos ao longo de sete anos, de 265 mil britânicas saudáveis, dos 40 aos 69 anos, e avaliaram outros estudos, compilaram uma meta-análise e descobriram que as mulheres na menopausa que comiam mais produtos deste género (acima de 60 gramas por semana) tinham um risco acrescido de cancro da mama na ordem dos 21%. Ou seja: um pouco acima do risco acrescido de cancro colorretal.
Mas, finalmente, após décadas de avisos, parece começar a haver algum esforço para tornar o bacon mais saudável. Em janeiro deste ano, uma empresa norte-irlandesa adotou um processo revolucionário inventado em Espanha: começou a produzir bacon em que substitui os nitritos por conservantes feitos de extrato de fruta. A especialista em alimentação do The Guardian provou-o e garante que, apesar de um ligeiro travo frutado, o bacon tem um sabor e uma consistência agradáveis, e que a família não notou a diferença quando preparou um esparguete all’amatriciana.
Isto não significa que a indústria está pronta para mudar um processo de cura com mais de 100 anos. A empresa espanhola, pioneira neste novo método de conservação, passou dois anos a tentar vender a sua invenção a grandes companhias britânicas, sem sucesso. A explicação é que colocar este tipo de produto no mercado serviria de confirmação que o bacon tradicional é efetivamente uma ameaça, levando os consumidores a duvidar ainda mais das carnes processadas. E esse, sim, é um risco que a indústria não quer correr.