Quando se olha para percentagens quase sempre vem à cabeça a imagem do copo meio cheio e do copo meio vazio. Podíamos pegar no relatório Os Jovens Adultos e a Religião na Europa e escrever que a maioria dos jovens portugueses entre os 16 e os 29 anos identifica-se com uma religião, mas neste caso é o próprio autor principal do estudo que conclui: “A percentagem elevada de jovens adultos afirmando não ter nenhuma religião em muitos países é, sem nenhuma dúvida, o facto mais significativo deste relatório.”
É verdade que, segundo este relatório publicado pelo Centro de Religião e Sociedade Bento XVI, divulgado esta quarta-feira (atempadamente antes do Sínodo dos Bispos dedicado à juventude que o Vaticano agendou para outubro), 57% dos jovens portugueses se identificam com alguma religião. E que, entre estes, 53% dizem-se católicos. No entanto, é para os 42% de jovens que afirmaram não ter nenhuma religião que todos olham – aparentemente sem dramas.
“O cristianismo era originalmente muito estranho, e é provavelmente bom para nós sentirmo-nos um pouco estranhos”, já disse Stephen Bullivant, professor de Teologia e de Sociologia das Religiões na Universidade de St. Mary, no Reino Unido (onde também dirige o Centro Bento XVI), que encabeçou o estudo realizado em colaboração com o Institut Catholique de Paris, em França.
Bullivant e a sua equipa pegaram em dados recolhidos no European Social Survey (ESS), nas edições de 2014 e 2016, relativos a 22 países europeus, para fazerem um retrato da dimensão e prática religiosa dos jovens católicos. Os dados de Portugal são apenas de 2014, e a Itália ficou de fora porque em nenhum destes anos conseguiu financiar a realização de um inquérito.
Entre as conclusões a que chegaram, os investigadores destacam que, em 12 dos 22 países, mais de metade dos jovens adultos declararam não se identificar com nenhuma religião. À cabeça encontraram a República Checa, com uns esmagadores 91 por cento, e na cauda Israel, com 1 por cento. Logo em segunda posição no gráfico, com 80 por cento, ficou a Estónia. E acima de Israel encontra-se a Polónia, com 17 por cento, e a Lituânia, com 25 por cento. “É interessante constatar que os dois primeiros países e os dois últimos são países pós-comunistas”, escreve Bullivant.
É igualmente interessante ver quem são os nossos vizinhos na tabela do “não”: os irlandeses, com 39 por cento, e os alemães, com 46 por cento. Os espanhóis, nossos vizinhos no mapa mundi, ainda estão mais desligados da fé do que nós, com 55 por cento, mas mesmo assim bastante menos do que os seus vizinhos franceses, com 64 por cento.
Quanto à prática religiosa, depois de aplaudirem o facto de o ESS colocar igualmente esta questão a todos os inquiridos, religiosos ou não, Bullivant et al. analisam as respostas à pergunta “Fora de ocasiões como os casamentos e os funerais, quantas vezes assiste a um serviço religioso?”. Aqui, temos 35% de portugueses a confessarem nunca ir, e 20% a afirmar fazê-lo pelo menos uma vez por semana ou mais. “Em apenas quatro países, mais de um jovem adulto em dez declara ir a serviços religiosos pelo menos uma vez por semana: na Polónia, em Israel, em Portugal e na Irlanda”, notam os investigadores. Fora de missas e afins, é interessante verificar que a percentagem de quem assiste a serviços religiosos uma vez por semana ou mais aumenta ligeiramente (23 por cento); a resposta “nunca” desce, por isso, para 41 por cento.
Entre os que se disseram católicos, 27% dos jovens portugueses entre os 16 e os 29 anos afirmaram ir à missa pelo menos uma vez por semana e 17% assumiram-se como “não praticantes” (nunca vão à missa). Ter fé não é o mesmo que acreditar na Igreja – e aqui, sim, percebe-se por que razão Stephen Bullivant lamenta ter-se perdido toda uma geração.