O epíteto colou-se-lhe embora seja difícil imaginá-lo de chapéu e chicote, a perseguir bandidos. É demasiado alto, demasiado loiro, demasiado certinho, e anda sempre enfiado num blazer ou pulôver de caxemira azul, a condizer com os olhos. Será bonito o suficiente para inspirar alguém a escrever “I love you” nas pálpebras, como acontece a Indiana Jones em Os Salteadores da Arca Perdida? A verdade é que nem ele se imagina na pele do arqueólogo filmado por Steven Spielberg.
“Se calhar, as pessoas referem-se a casos como os que resolvemos no Peru, em que há doses de aventura, com objetos resgatados na selva e assassinatos de criminosos. Felizmente, saí vivo disso, mas essas histórias são excecionais porque, no mundo da arte, os traficantes não matam”, disse Arthur Brand à revista online Gaceta Holandesa. “O meu trabalho”, explicou, “consiste em estabelecer amizade com pessoas para lhes sacar segredos e, a partir daí, começo a trabalhar. Por isso, quando me comparam com Indiana Jones fazem-me sentir idiota: não tenho carta de condução nem sei mudar uma lâmpada.”
Mostra sentido de humor este holandês de 47 anos que se diz investigador de arte e vive de encontrar obras roubadas. Essa é uma das características que partilha com Indy, mas há mais: anda de comboio, não tem telemóvel com internet ou Whatsapp, e, sobretudo, não resiste a uma boa aventura. “Não estou nisto pelo dinheiro. Estou pela aventura” podia ser o tweet fixado no topo do seu perfil no Twitter.
Podia, mas não é. Para destacar no cimo da sua página nessa rede social, Brand escolheu a reportagem da newsmagazine alemã Der Spiegel sobre a descoberta dos “tesouros perdidos” de Hitler que andavam desaparecidos desde a reunificação da Alemanha, em 1989. Se ele não tivesse inventado a personagem de um colecionador de arte americano chamado Moss, dono de uma fortuna colossal, nunca a polícia alemã teria cantado vitória como cantou em maio de 2015.
A ajuda preciosa do detetive de arte holandês levou à busca em casas e apartamentos de sete suspeitos, e ao achado de várias obras de arte nazis. A ilustrar o artigo vemos os dois “cavalos de Hitler”, em tamanho real, que Josef Thorak fundiu em 1939, para serem colocados frente à Chancelaria do Terceiro Reich, em Berlim. Foram encontrados numa propriedade do empresário Rainer Wolf, onde também estavam seis outras grandes esculturas em bronze.
Disfarçado de colecionador, Arthur Brand viria a encontrar-se com o negociante de arte Steven de Fries, de quem já sabia ter informações sobre o paradeiro de várias obras de arte nazis. Os dois almoçariam num restaurante, em Amesterdão, e Brand gravou com uma minicâmara escondida na lapela o outro a propor-lhe a transação por oito milhões de euros. Os cavalos não estavam na posse de Steven de Fries, mas sim numa propriedade de uma proeminente família alemã, os Flick.
Friedrich Flick fora condenado nos julgamentos de Nuremberga, mas enriquecera novamente; os seus descendentes queriam livrar-se de tudo o que os lembrasse esse período.
Já um ano antes da descoberta, o investigador provocara um enorme escândalo ao revelar que Juliana, antiga rainha da Holanda, comprara obras de arte pilhadas pelos nacional-socialistas.
O papiro de Judas
Arthur Brand também colaborou ativamente no caso do Evangelho de Judas, um manuscrito proibido pela Igreja, que fora levado ilegalmente do Egito e se encontrava há várias décadas numa caixa-forte em Nova Iorque. Quando ele e um colega souberam que o papiro estava nas mãos de uma negociante de arte e colecionadora suíça, enviaram fotografias para vários jornais e a mulher acabou por negociar a sua cessão à National Geographic.
Além das esculturas nazis que lhe deram fama, Brand traz no currículo a descoberta e devolução de inúmeros quadros, e ainda de um conjunto de porcelanas que a Casa Real holandesa foi obrigada a restituir a uma família judia. Já foram tantas as obras de arte resgatadas que o investigador ganhou a confiança da Interpol e dos traficantes. O seu modus operandi é sempre o mesmo. “Não negoceio com os criminosos, mas com quem as comprou no mercado negro”, sublinha. “E tento um acordo: ofereço-lhes a recompensa porque têm direito a 10 por cento. O meu único interesse é que as obras voltem ao lugar de onde foram roubadas.”
Em 2011, Brand criou, com o colega David Kleefstra, uma empresa de consultoria, a Artiaz. Juntos aconselham colecionadores, investidores, negociantes, leiloeiras e museus; também fazem avaliações e verificam a autenticidade das obras. Trabalho não lhes falta, embora saibam que “90% da arte roubada nunca aparece”.
É esse o risco que correm os treze quadros (ver caixa), avaliados em 400 milhões de euros, que desapareceram do Museu Isabella Stewart Gardner, em Boston, em março de 1990. O caso está tão bicudo que a recompensa já chega aos oito milhões de euros. O investigador entrou na corrida, claro. “É o Santo Graal no mundo da arte”, comparou.
Em 2010, chegou-lhe a dica de que as telas estariam nas mãos de antigos membros do IRA. Segundo a sua fonte, que entretanto morreu, terão sido inicialmente vendidas nos Estados Unidos da América e enviadas de barco para a Irlanda do Norte, ainda nos anos 90. Nada de estranho: Brand já negociou com a máfia italiana e com milícias ucranianas; são quinze anos de uma experiência que começou quando foi enganado ao comprar uma obra de arte falsa.
Hoje, investiga pela glória. Caso chegue ao paradeiro dos quadros do Museu Isabella Stewart Gardner, garante que entregará os oito milhões a quem os tiver em sua posse. “Se puder ser eu a levá-los ao museu, deem-me um bom copo de Guinness e é recompensa suficiente.”