A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, chamou hoje os jornalistas ao Ministério para fazer um ponto de situação dos nove inquéritos, estudos, relatórios e pareceres pedidos pelo Governo após o incêndio de 17 de junho, em Pedrógão Grande, no qual morreram 64 pessoas.
A governante anunciou que quer ver penalizado o consórcio SIRESP, de comunicações de emergência, por “falhas de disponibilidade e de desempenho durante o incêndio de Pedrógão Grande” e que quer o apuramento de responsabilidades da Secretaria Geral da Administração Interna sobre o que aconteceu.
Falhas graves no SIRESP
O Instituto de Telecomunicações considera que existiram “faltas graves” na rede SIRESP (comunicações de emergência), com cortes prolongados no funcionamento normal do sistema, quando do incêndio de junho em Pedrógão Grande, do qual resultaram 64 mortes.
A propósito do incêndio, o Ministério da Administração Interna pediu ao Instituto de Telecomunicações (que junta nove instituições com experiência em investigação e desenvolvimento no domínio das telecomunicações) um estudo sobre o funcionamento do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) em situações de acidente grave ou catástrofe.
No relatório, com data de 31 de julho mas só hoje tornado público na página oficial do Governo na internet, afirma-se que existiram faltas graves na rede, com cortes prolongados no funcionamento normal do sistema nas áreas cobertas pelas estações base de Pedrógão Grande (39 horas de corte), Figueiró dos Vinhos (41 horas), Serra da Lousã (67 horas), Malhadas (66 horas) e Pampilhosa da Serra (70 horas).
“Durante estes períodos estas estações base funcionaram em modo local, o que restringiu as comunicações a terminais da mesma estação base, ou a comunicações diretas (de curto alcance) entre terminais”, sendo que as falhas se deveram à destruição, pelo incêndio, das ligações por cabo de fibra ótica das estações base referidas ao comutador de Coimbra.
O Instituto nota que a solução cabo de fibra ótica “não cumpre as exigências do Caderno de Encargos nem se configura como uma solução técnica adequada para usar numa floresta numa rede de segurança e emergência”.
Depois, mesmo após as ligações terem sido restabelecidas, houve situações em que não foi possível dar vazão às chamadas em espera, superior ao estabelecido em contrato, nota também o Instituto, que chama a atenção para o facto de nem todos os utilizadores da rede SIRESP terem conhecimento e prática suficiente da mesma.
No documento recomenda-se formação para esses utilizadores e a implementação “o mais rapidamente possível” de uma solução de redundância para as ligações entre as estações base e o comutador.
“Deve ser também analisada a possibilidade de aumentar o número de estações base móveis, para reforçar pontualmente tanto a cobertura como a capacidade de tráfego, em situações graves”, que devem ser colocadas no país de acordo com o risco de incêndio.
Ainda assim o Instituto salienta que não existem razões técnicas para abandonar a rede SIRESP, existindo antes “recomendações que devem ser seguidas urgentemente para que esta rede cumpra os objetivos para que foi concebida”.
O Instituto diz no relatório que “a análise foi condicionada pela dificuldade em obter das entidades externas relacionadas com o SIRESP toda a informação necessária para emitir conclusões fundamentadas dentro do prazo”.
Maioria dos mortos no incêndio de Pedrógão Grande decorre de situações sem pedido de socorro
A maioria das pessoas que morreram no incêndio resulta de “situações para as quais nunca chegou a haver qualquer alerta”, conclui, por seu lado, um relatório da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC).
O relatório, hoje divulgado, refere nas considerações finais que “a maioria das vítimas mortais decorre de situações para as quais nunca chegou a haver qualquer alerta”, pelo que “foi impossível o conhecimento e consequente resposta” a essas mesmas situações.
De acordo com o relatório da ANPC sobre o fogo, concluído a 07 de julho, apenas houve um pedido de ajuda de uma viatura de combate a incêndios dos bombeiros de Castanheira de Pera, às 20:44.
“Não foi recebido mais nenhum pedido de socorro na área da estrada EN 236-1, nomeadamente no troço compreendido entre o nó do IC-8 e Castanheira de Pera”, assinala o documento, acrescentando que “nem sequer” houve um alerta “para a existência de acidentes de viação”.
A Autoridade Nacional de Proteção Civil ressalva que, face à “velocidade e violência com que o incêndio atingiu” algumas aldeias, “nem sequer terá havido tempo para que os moradores pudessem solicitar de imediato ajuda”.
GNR não encaminhou automobilistas para EN 236-1 durante incêndio de Pedrógão Grande
A GNR não encaminhou automobilistas para a Estrada Nacional 236-1 durante o incêndio de Pedrógão Grande, refere a força militar em resposta a questões do ministério da Administração Interna (MAI).
Com o objetivo de esclarecer “cabalmente as causas da tragédia ocorrida em Pedrógão Grande no dia 17 de junho de 2017, a ministra da Administração Interna emitiu hoje um despacho onde se dá a conhecer os diversos relatórios e estudos produzidos em relação a vários aspetos suscitados pelo incêndio”, lê-se no portal do Governo.
Na resposta a várias perguntas enviadas pela ministra, enviadas a 08 de agosto, a GNR refere que o processo de inquérito elaborado por esta força militar “centrou-se no apuramento das circunstâncias em que se desenvolveu a ação das suas forças no dia 17 de junho de 2017, no cenário trágico das mortes ocorridos na EN 236-1 e em itinerários confinantes e localidades próximas”.
Ou seja, prossegue a GNR, “procurou-se elencar todas as ações de controlo do tráfego rodoviário e do movimento de pessoas, tendo-se particularmente em conta a afirmação de uma sobrevivente que passou na EN 236-1 no sentido Figueiró dos Vinhos – Castanheira de Pera, que afirmou ter sido encaminhada por militares da Guarda [Nacional Repúblicana] para essa estrada”.
Este é um “facto que acabou por não ser confirmado”, salienta a GNR.
“Em suma, o inquérito da GNR foi orientado para factos ocorridos do dia 17 de junho e, essencialmente, relacionados com a situação que originou as mortes – em especial entre as 20:00 e as 22:00 desse dia – e não para a discriminação sistemática de todas as ações desenvolvidas pelas forças da Guarda no teatro de operações em causa”.
Pelo menos 47 pessoas morreram na EN 236-1.
com Lusa