As mãos de Ana Mara Silva, 27 anos, aluna do segundo ano do curso de Medicina Tradicional Chinesa, pressionam as costas da paciente. De vez em quando, o coordenador Daniel Lopes, 42 anos, entra sala adentro e mostra-lhe como se faz e onde deve comprimir mais, de acordo com as maleitas de quem está na marquesa. “Treina agora a mão esquerda, depois compensas com mais um bocadinho de massagem”, diz-lhe.
Quem que se dirija às instalações da Escola de Medicina Tradicional Chinesa, em Lisboa, e a troco de €20, é apresentado à técnica Tuina, depois de uma consulta de avaliação, na presença do professor e de um aluno, e será este a praticar. “Não temos hospitais para estágios, como os médicos, por isso abrimos esta clínica para os alunos poderem fazer prática orientada, a partir do segundo ano e de acordo com o seu nível de estudos”, explica Deolinda Fernandes, a diretora. Primeiro começam pela massagem terapêutica chinesa, que pode ser agendada para todas as sextas, das três da tarde às dez da noite (depois das oito e meia o preço desce para €10), ou sábados de manhã. No terceiro ano, já fazem acupuntura (2ª a 5ª e sábados à tarde), depois de uma consulta (€60 a primeira e €40 as seguintes). Por esta clínica passam cerca de 60 pessoas por semana, atendidas por 20 estagiários, supervisionados por quatro coordenadores de equipa, que rodam por entre as mais de duas dezenas de professores do curso.
Também é numa escola que encontramos Fátima Marcelina, mas neste caso a maleita é outra e nem lhe diz diretamente respeito. Não foi o preço que a fez optar pelo hospital escolar veterinário da Universidade de Lisboa, numa tentativa de curar Pipoca, o porquinho da Índia que sofre há meses de um problema alérgico. Para Fátima, o hospital escolar é uma espécie de Dr. House da veterinária.
“Ainda não percebemos bem o problema dele, e aqui há especialidades que não existem na outra clínica onde íamos.” Junto à maca do bicho estão uma médica e uma aluna, mas é a professora que está de seringa na mão e que explica à dona todos os procedimentos da medicação.
A aluna presta atenção às indicações, porque também está a aprender.
Como em todas as consultas deste hospital universitário, cada animal está ao cuidado de um médico, de um enfermeiro e de um aluno, que se vestem de cores diferentes para se perceber as hierarquias. “Nunca é o estudante isoladamente a fazer a consulta, porque não pode e nem seria correto”, explica António Ferreira, diretor clínico. Os alunos frequentam o hospital desde o terceiro ano são eles que registam a história do doente, percebem os sinais clínicos que apresenta e, depois, informam o veterinário do que se passa para ele poder acabar a consulta. Também ajudam a colher amostras para análises e auxiliam nos exames (radiografias ou tomografias). Mas, claro, assistir a cirurgias é mesmo um dos pontos altos para qualquer estudante de veterinária.
Este hospital, que também tem espaço próprio para internamento de gatos e de cães, está aberto 24 horas por dia, 365 dias por ano, e pode lá ir quem tiver animais doentes: à urgência (a taxa varia consoante a hora), à primeira consulta, para ouvir uma opinião ou depois de serem referenciados por outras clínicas e hospitais da região de Lisboa. E não se pense que aqui só se tratam animais de companhia. Também recebem fauna de grande porte, principalmente cavalos, que são tratados e operados nestas instalações.
Cardiologia, neurologia, oftalmologia, dermatologia e comportamento animal são apenas algumas das especialidades que o hospital tem ao dispor a preços que, segundo António Ferreira, estão dentro da média do que se pratica na região de Lisboa. “Não podemos, nem devemos, oferecer valores mais baixos do que lá fora, porque não há orçamento e não queremos ser concorrência desleal”, afirma o diretor do hospital, que recebe 6500 animais por ano.
DE BOCA BEM ABERTA
De Lisboa ao Porto, a história repete-se.
Iara Alcântara, 28 anos, estudante finalista do mestrado de Medicina Dentária da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, começa por fazer um questionário intenso aos pacientes (doenças de família, cirurgias, toma de medicamentos).
E termina com a pergunta crucial: “Quando foi a última vez que foi ao dentista?” Túlio Pessoa, 25 anos, formado em odontologia no Brasil, prossegue, vendo se há alguma assimetria no rosto e corpo. “Tratamos a boca como um todo”, justifica. E continuam com a palpação da zona do queixo para detetar a existência de gânglios linfáticos e um rastreio da língua, para despistar lesões.
“É uma forma de fazermos prevenção do cancro oral”, explica a dentista Helena Neves, uma das docentes que supervisiona a consulta.
O primeiro rastreio na consulta de medicina dentária ainda dá direito a um raios X à boca e a uma sessão de esclarecimento sobre a lavagem de dentes.
O paciente sai com um orçamento relativo aos tratamentos que necessita de fazer nas próximas visitas. A consulta pode durar várias horas, mas o tempo é dado por muito bem empregue. “É como se fosse uma sala de aulas em que cada docente tem um número de alunos pelo qual é responsável”, compara Sandra Gavinha, responsável por esta clínica pedagógica. Há 74 gabinetes a funcionar todos os dias da semana, das nove da manhã às nove da noite, divididos por dois pisos recebem, em média, 12 a 15 mil pacientes por ano (cinco a seis mil são novos casos), sendo que 60% são responsabilidade social. Se este serviço não existisse, por exemplo, era provável que Lino Ferreira, 58 anos, não tivesse os novos onze dentes que mostra ao sorrir. A prótese total (maxilar inferior e superior) custou-lhe €230, um valor impossível de igualar num consultório privado. Conheceu esta clínica há meio ano através de um amigo e, garante, ganhou qualidade de vida. “São todos simpáticos e prestam um bom serviço.” Embora os valores possam variar de acordo com a complexidade do ato clínico, o tratamento de uma cárie situa-se entre os €15 e os €20, uma extração nos €10, a destartarização varia entre €10 e €15 e uma reabilitação total, com próteses removíveis, não ultrapassa os 300 euros.
Na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa também há consultas e tratamentos, todos os dias, das oito e meia da manhã às quatro e meia da tarde. A partir do segundo ano, os cursos são muito práticos e formam-se duplas de alunos que seguem os mesmos doentes durante todo o historial.
Os preços da consulta são um pouco mais altos do que no Porto e variam conforme a graduação dos alunos (€20 a €45), assim como os dos tratamentos (uma restauração varia entre €24 a €45). Também existe um laboratório de próteses, consultas para pessoas com necessidades especiais e uma área só para ortodoncia.
Há três anos, quando entrou na clínica de fisioterapia da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, Maria Elvira Xavier, 76 anos, trazia um guarda-chuva a servir de bengala. As dores nos joelhos, consequência de um problema degenerativo sem solução, quase não a deixavam andar. Hoje, muitos ultrassons e alongamentos depois (cada tratamento vale €5, mas há descontos), já nem precisa de tomar anti-inflamatórios para poder caminhar, sempre que vai para a sua quinta no Douro, aos fins de semana.
“Vão saindo uns alunos, entrando outros, mas cada dica que me dão é melhor do que a outra. Gosto muito deles, pedem-me receitas de cozinha e os rapazes até me falam sobre as namoradas”, conta. A terapeuta Ana Vasco, responsável pela clínica, sabe que estar aqui é claramente uma mais-valia para os alunos: “Queremos que aprendam a fazer, mas, sobretudo, a ser, a moldar o caráter, a aprender a tratar um avô, uma avó, com todo o carinho.”
GANHA O ALUNO, GANHA O DOENTE
Na clínica de terapia da fala da mesma universidade, a professora Eva Nunes assegura que a supervisão clínica não implica fazer o trabalho pelos alunos.
“Damos-lhes alguma liberdade”. Os terapeutas assistem e orientam os processos, fazem correções, sugestões e discutem os casos com os alunos. “Assim, eles desenvolvem a capacidade de raciocínio clínico, coisa que não seria possível se apenas lhes disséssemos como fazer”, explica. A cada ano, há 15 a 20 alunos a dar as consultas (€5 é preço normal), recebendo cerca de 80 pacientes.
Já na Universidade Católica Portuguesa, no Porto, onde a Clínica Universitária de Psicologia (CUP) nasceu, há quase dez anos, os alunos finalistas podem participar nas consultas, mediante uma autorização por escrito do cliente.
A CUP existe para “dar esta resposta de apoio à formação dos alunos”, esclarece Maria Raul Xavier, coordenadora desta clínica universitária. “Gosto de pensar que é uma aprendizagem para o resto da vida. É o mergulhar em contextos reais de trabalho.” E, ao mesmo tempo, o cliente também ganha com este contacto. “Está inserido num contexto universitário, onde existe uma constante aprendizagem. Discutimos os casos e as suas abordagens técnicas.” Em 2016, nas mais de 700 consultas, 67% dos casos vieram da população em geral, e os restantes de protocolos, casos sociais e de funcionários da universidade ou das suas famílias. As consultas são dadas de segunda a sábado e o valor varia entre os €60 na primeira consulta individual e €50 nas seguintes.
ENQUANTO SERVEM O VINHO
Os alunos da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa saltam para a cozinha logo no final do primeiro semestre de aulas, supervisionados por professores, que vão mudando ao longo da semana.
E de terça a sexta, ao almoço, os clientes são as suas cobaias, a troco de 15 euros.
Esta semana é o chefe João Sá quem está com a turma do terceiro semestre de Gestão e Produção de Cozinha e o que irá para as mesas será o resultado de aulas de técnicas moleculares. “Este restaurante de aplicação é um espaço de erro, apesar de todo o esforço para que nada corra mal”, avança. Na sala, com mesas postas de forma irrepreensível, os alunos do curso de Food & Beverage Management estão debaixo do olho de Paulo Baptista. Hoje é dia de avaliação, mas ninguém dá por isso. Como as aulas são todas em inglês, os alunos também comunicam com os clientes nessa língua, descrevendo corretamente o menu degustação: salada de orelha com água de pepino, cenoura algarvia (mais ou menos um gaspacho), bacalhau com grão, uma interpretação de chanfana e fios de ovos para rematar. O vinho serve-se à parte e nunca custa mais de €10 por garrafa.
Ainda há alguém que se importe de fazer parte da experiência?
É FAZER AS CONTAS
De forma geral, é muito mais barato recorrer-se aos serviços prestados pelos alunos de escolas superiores
NA ESCOLA
Menu degustação de €11 a €15
Consulta dentista a partir de €10
Massagem Tuina €20
Consulta de veterinária €28,70
Terapia da fala €5 euros a sessão
Fisioterapia €5 euros cada tratamento
CÁ FORA
Menu degustação a partir de €50
Consulta dentista a partir de €70
Massagem Tuina a partir de €40
Consulta de veterinária a partir de €35
Terapia da fala a partir de €35 sessão
Fisioterapia muito variável
Artigo publicado na VISÃO 1250