Durante quase quatro décadas, o engenheiro civil Manuel Sousa Gomes, hoje com 62 anos, elaborou e submeteu a licenciamento projetos de arquitetura. “Sem problemas.” Desenhava sobretudo pequenas moradias e instalações industriais, “projetos que os arquitetos não gostam de fazer”. Estava legalmente autorizado por um decreto de 1973.
Até que, em 2009, uma nova lei revogou aquele decreto e deu ao engenheiro civil Sousa Gomes um “período transitório” de cinco anos para terminar a sua carreira na arquitetura, o que ocorreu a 1 de novembro de 2014 e lhe tirou um “direito adquirido” (já lá vamos). Também lhe causou “um prejuízo enorme”.
Inserido num grupo de cerca de 200 engenheiros civis, Sousa Gomes e colegas desdobraram-se em queixas à Comissão Europeia e ao provedor de Justiça. Com o apoio da sua Ordem, alegam que uma diretiva comunitária de setembro de 2005 lhes atribui o “direito adquirido” de continuarem a elaborar projetos de arquitetura, desde que as suas licenciaturas tenham sido iniciadas até ao ano letivo de 1987/88, e tiradas no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e nas universidades de Coimbra, Porto e do Minho.
Sucedeu, porém, que a legislação específica nacional apenas transpôs parcialmente aquela diretiva. Só acolheu o exercício, em Portugal, de arquitetura por parte de engenheiros civis com “direitos adquiridos” em outro Estado membro. O provedor de Justiça, José de Faria Costa, chamou-lhe “discriminação inversa” num ofício que em novembro passado enviou ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, no qual confere razão ao grupo dos 200 engenheiros portugueses e recomenda uma alteração legislativa em conformidade.
Também a Comissão Europeia, em carta enviada a 2 de junho último ao porta-voz do “grupo dos 200”, engenheiro Ricardo Lopes Leão, diz que estes profissionais “conservam o direito de efetuar projetos de arquitetura” no País, e informa que, numa comunicação que recebeu em 11 de março passado, “as autoridades portuguesas comprometeram-se a alterar a sua legislação”.
À VISÃO, o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, afirma saber que, ainda no corrente mês de julho, o Governo irá aprovar em Conselho de Ministros a mencionada proposta de alteração da lei, para a submeter ao Parlamento. Mineiro Aires quer apaziguar o ambiente. “Entrou-se na irracionalidade, pela falta de mercado”, diz. “Agora há que voltar à normalidade, porque os engenheiros precisam dos arquitetos e vice-versa.”
Mas não se vê que a Ordem dos Arquitetos esteja pelos ajustes. Em maio último, numa audição sobre o assunto na comissão parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas, o bastonário João Santa-Rita foi duro.
“A atividade de uma profissão regulamentada – a de arquiteto – parece ser constantemente ‘assaltada’ e visada por outros profissionais, no presente caso por um grupo de engenheiros civis”, declarou aos deputados. “É um tema que parece ser de um outro tempo e de um outro país, porque nasceu através de uma lei de um outro regime, anterior a abril de 1974. Tarda-se ainda em aceitar aquilo que por tantas vezes já foi discutido, aprovado, afirmado e traduzido nas leis.”
O que está à vista, isso sim, é uma tempestade.