Como é que uma cadela com cinco anos “tão alegre, tão cheia de vida, feliz e saudável”, como descreve a sua dona, a atriz Maria João Bastos, acaba um tratamento, simples como uma destartarização aos dentes, com dificuldades respiratórias, que alegadamente a terá conduzido à morte? Para já é um assunto inexplicável.
“Normalmente, o que pode correr mal num tratamento deste tipo está sempre relacionado com a sedação e qualquer sedação tem riscos. Tudo o que seja mexer com a parte central do animal implica riscos”, explica a veterinária Célia Palma, da Liga Portuguesa dos Direito do Animal. A reação alérgica à anestesia pode manifestar-se no imediato, com dificuldades respiratórias, por exemplo, ou mais tarde, ficando o animal sem acordar. “Qualquer produto químico pode provocar alergia em qualquer animal, é impossível prever. Pode não fazer mal a 99,9% dos animais e fazer a apenas um”, acrescenta a veterinária.
Maria João Bastos partilhou na sua página oficial do Facebook que a Amélie, “antes de ser intervencionada, tinha feito análises na mesma clínica e estava óptima de saúde.” Mas quando a foi buscar, a cadela já não parecia bem.
“O primeiro momento em que fiquei apreensiva foi quando adiaram das 17 para as 19 a hora de a ir buscar. A esta hora, quando me deram a Amélie, vi logo que ela estava em sofrimento, com dificuldade em respirar. Foi-me dito que era normal e que os sons aflitivos seriam devido a um tudo que lhe tinham enfiado pela garganta. (…) A Amélie não dormiu um minuto sequer e o seu estado de sofrimento manteve-se sempre igual, desde que saiu da clínica. Com o avançar da madrugada e cada vez mais angustiada voltei a ligar para o hospital. (…) A minha Amélie percebia tudo, nesse momento, encostou-se a mim a pedir-me mimo, deu-me um ultimo beijo, o único da noite, não por falta de vontade mas porque provavelmente as dores não lhe permitiam. Eu abracei-a e prometi que tudo ia ficar bem, que íamos ao hospital e que ela ia ficar bem. Quando nos estávamos a preparar para sair, a Amélie foi beber um pouco de água e, de repente, em segundos, e sem que nada fizesse prever este desfecho, caiu para o lado no chão da cozinha, a deitar muito sangue pela boca. Entrei em pânico, agarrei nela e fui para o hospital. Já aqui, onde ainda entrou a respirar, o médico que me tinha atendido o telefone diz-me pouco depois que a tentou reanimar mas não conseguiu. Fiquei sem chão, meu mundo desabou, deixei de ver e de ouvir. Nas seis horas que se seguiram não sai da clinica a pedir para falar com alguém. Precisava de uma explicação. Pedi para falar com o director, disseram-me que estava a passar o fim de semana fora de lisboa. Pedi para falar com a veterinária que lhe fez a intervenção, disseram-me que ela não trabalhava ao fim de semana.
E eu fiquei ali perdida, horas, sem saber o que fazer, sem chão…”
A VISÃO contactou o Hospital Veterinário Vasco da Gama, na zona norte do Parque das Nações, em Lisboa, onde a chihuahua Amélie foi deixada no passado dia 1 de abril. Bruno Oliveira, diretor clínico, diz que ainda “não é possível apurar a causa da morte, ou se esta terá tido ou não relação com o referido procedimento”, estando a “realizar um inquérito interno cuja conclusão preliminar é que não terá havido nada no procedimento que fizesse prever ou justifique o falecimento da Amelie.” Lamentando o “comportamento acusatório prematuro” nas redes sociais, diz esperar “que o relatório da necropsia possa esclarecer definitivamente a causa da morte”.
Seria importante perceber que tipo de anestesia foi utilizada com Amélie. “O tempo de sedação é muito variável, é impossível de prever. Depende do animal em si, da sua fisiologia e do seu metabolismo, e do tipo de anestesia utilizada”, esclarece a veterinária Célia Palma. A forma fixa, dada na veia ou de forma intra-muscular, não tem retorno exceto se o animal a metabolizar. Na anestesia reversível o animal pode ser acordado com um antídoto. A volátil, também dada na veia ou de forma intra-muscular, é depois mantida pela respiração do animal, o que implica entubá-lo. Célia Palma nota que esta “é a forma mais rápida de entrar e sair num estado de sedação. A mais segura e também a mais cara, o que faz com que nem todas as clínicas e hospitais veterinários a usem em intervenções simples como uma destartarização.”
Maria João Bastos promete levar o caso até às últimas consequências, pela sua “princesa” Amélie e, “por todos os animais que por vezes são tratados de uma maneira menos digna, espero fazer justiça.”