“Nem queria acreditar. Fiz mais de 300 horas na urgência durante dois meses. A empresa é condenada em tribunal a esse pagamento, mas declara-se insolvente. E agora nós é que temos de avançar com uma caução para recebermos o que nos é devido? “, questiona o médico, revoltado com o que diz ser uma teia montada para que não se faça justiça.
Do outro lado do telefone, a sua voz arrastada mostra bem os efeitos que estes dez dias sem comer lhe provocaram. Já no fim-de-semana tinha recebido soro: “Cometi a imprudência de nem sequer ingerir líquidos”, confessa. Mas a decisão de parar não é pacífica. “Devo dizer que fui pressionado a isso: esta manhã, fui chamado a uma reunião para assinar um documento em que me comprometia a só continuar a ver doentes caso parasse a greve de fome”, explica o clínico, 51 anos, especialista em Medicina Interna, antes de revelar que esta quinta-feira, 31, ainda terá de se apresentar perante uma junta médica para continuar ao serviço.
A história começa em 2012, data da fundação da empresa que lhe deve dinheiro – a ele, Rui Teixeira, e a mais uma trintena de médicos. Foi nessa altura que essa RPSM começou a celebrar contratos à tarefa no Hospital de Setúbal. “Era dirigida por um médico que tinha sido até então diretor da urgência local”, avança Rui Teixeira. “Mas logo nesse primeiro ano de trabalho, alguns colegas ficaram sem receber.”
No ano seguinte, a cena repetiu-se no hospital de Portalegre. “Entre setembro e dezembro, não pagaram a ninguém”. Mais de cem mil euros em dívida, assegura. Em 2014, a mesma empresa avançou para concurso no hospital de Santarém – e ganhou. Mais 16 médicos prejudicados. “Em 2015, voltava a preparar-se para contratar médicos para o Centro Hospitalar do Médio Tejo mas aí foram os médicos que se recusaram a trabalhar…”, recorda Rui Teixeira.
É que foi em abril de 2015 que a empresa foi condenada em tribunal ao pagamento do dinheiro devido – só que nem esperou muito para logo declarar insolvência. Além disso, segue o médico devagarinho, as dívidas eram do conhecimento do Conselho de Administração do Hospital e do Ministério da Saúde. “Se estes pagaram, então onde está o dinheiro?”
São perguntas ainda sem resposta para o médico, a poucos momentos de acabar a greve de fome “Não se trata de dinheiro. Até preferia terminar este protesto pelo respeito que tenho pela Presidência da República e pela Ordem dos Médicos (OM), as únicas instituições que me contactaram em solidariedade. Mas a verdade é que vou parar por ter sido proibido de continuar a ver doentes…”
Rui Teixeira acaba assim o protesto mas não dá a luta por perdida: ganhou para já a promessa do departamento jurídico da OM de levar avante a sua reivindicação. No entretanto, aguarda que a mulher, enfermeira no centro de Saúde em Abrantes, acabe o turno para fazer a sua primeira refeição: “Apesar dos seus receios, contei sempre com o seu apoio.”