Quando se fala do Slack, um programa de comunicação interna e mensagens instantâneas já usado por algumas das empresas mais conhecidas do mundo, surgem invariavelmente duas perguntas.
A primeira é se uma startup com dois anos vale realmente 2,8 mil milhões de dólares.
A segunda é até que ponto estará o Slack a mudar a forma como o mundo funciona.
A primeira é fácil de responder. O Slack está a crescer muito depressa. Mais de 1,7 milhões de pessoas passaram a utilizar diariamente o serviço desde que foi disponibilizado em fevereiro de 2014. Empresas como a Airbnb ou a BuzzFeed usam-no. Há grupos da NASA e do Departamento de Estado no Slack. Nunca uma nova ferramenta foi adotada com tanto entusiasmo por uma variedade tão grande de áreas de negócio. O programa, que não é assim tão diferente dos sistemas de mensagens instantâneas, ajuda áreas diferentes das empresa a comunicar em tempo real. O Slack guarda cada comentário num arquivo fácil de consultar e a tão temida caixa de entrada (ou inbox) esvazia-se. Os utilizadores passam em média 10 horas ligados, todos os dias. Para todos os que já o usam, trabalhar é cada vez mais estar no Slack.
Stewart Butterfield, 42 anos, CEO do Slack, defende que a empresa tem um valor muito superior à avaliação atual e pretende que ultrapasse a dimensão do Facebook. Acredita que, na próxima década, a marca se vai tornar o que a Microsoft foi nas duas últimas, dominando a forma de trabalhar de milhões de pessoas. Hoje vive-se uma espécie de corrida ao ouro em busca de software que se adapte à forma como as pessoas trabalham – com os smartphones, a qualquer hora e a circular informação pelas nuvens. Mas consegui-lo não será fácil, como Butterfield admite: “Crescemos tão depressa que, de cada vez que parecemos descobrir a melhor forma de fazer as coisas, essa descoberta torna-se obsoleta.”
O novo génio de Silicon Valley
A segunda questão é mais difícil de responder: o Slack está a mudar o mundo do trabalho? Ou, pelo contrário, está a ter este crescimento porque o mundo do trabalho está a mudar? Durante séculos – da máquina a vapor ao elevador, da máquina de escrever ao telefone – a tecnologia tem alterado a forma como trabalhamos, com consequências que afetam toda a nossa vida. De certa forma, atribuir ao Slack as descobertas de um investigador do genoma humano é como atribuir à garagem de Steve Wozniak a criação da Apple. Ainda assim, a dimensão e o ritmo das mudanças que estão a acontecer dependem de pessoas como Butterfield.
É divertido conversar com ele. Se lhe perguntamos o que tem de errado a forma como as pessoas trabalham, responde: “Bem, voltemos à Roma antiga”, e discorre a partir daí. Se lhe falamos da Siri, refere-se à assistente pessoal da Apple como uma “idiotice do caraças”. A excentricidade faz algum sentido quando descobrimos que cresceu numa comunidade em Lund, na Colúmbia Britânica. Só teve água corrente em casa aos quatro anos. A eletricidade chegou aos cinco e o computador aos sete, depois de ir viver para Vancôver, para ir à escola. Aos 12, mudou o seu nome de Dharma Jeremy para Stewart. Depois de estudar Filosofia em Cambridge, tentou, juntamente com Caterina Fake, sua mulher na altura, criar um videojogo “estranho e absurdo”, chamado Game Neverending (Jogo Interminável). Nunca foi comercializado mas, em 2004, aplicaram algum do software a um serviço de partilha de fotografias que se tornou popular em todo o mundo: o Flickr.
Em 2005, a Yahoo comprou o Flickr por 25 milhões de dólares, uma decisão que Butterfield acabou por lamentar. Três anos mais tarde demitiu-se, escrevendo uma das mais partilhadas cartas de Silicon Valley: “Por favor, aceite a minha demissão. Não preciso de festas caras ou relógios de ouro… Vou passar mais tempo com a minha família e cuidar do meu rebanho de alpacas.” Passado um ano, fundou outra empresa, voltou a fazer serenatas aos colegas com ukuleles e tentou de novo criar um videojogo. Mais uma vez, falhou. Mas a sua equipa tinha construído uma ferramenta de mensagens instantâneas para os primeiros oito empregados e decidiu tentar a sorte por aí. Como esse software os ajudou a comunicar com menos tensão, chamaram-lhe Slack (acalmia).
Experimente trabalhar com o Slack e perceberá porque se diz que vai matar o email. Os empregados de escritório enviam e recebem em média 122 mensagens por dia. Num turno das nove às cinco, significa um email a entrar ou a sair a cada quatro minutos. Em grande parte, o que torna o Slack melhor é o grau de fluidez das conversas. O programa, pelo qual as empresas pagam entre 6,67 e 12,50 dólares por mês por utilizador, permite que diferentes partes de um negócio criem diferentes canais de discussão. De cada vez que alguém quer alertar um colega para um assunto, basta fazer tag com o seu nome, tal como no Facebook. Podemos seguir mensagens em tempo real, ou podemos voltar a essa conversa mais tarde.
O Slack quer limitar o quanto trabalhamos, porque sabe que as pessoas se sentem cada vez mais amarradas aos empregos. Está a desenvolver a opção “não incomodar”, para quem não quiser ser importunado entre as dez da noite e as oito da manhã, por exemplo. Esta é uma preocupação para Butterfield, mais do que se possa imaginar. “Penso que, enquanto espécie, não estamos preparados para lidar com o poder disto tudo, tal como não estamos preparados para lidar com tantas calorias. É por isso que acabamos com diabetes”, diz. “Teremos neste momento a diabetes cognitiva e emocional provocada pela excessiva interação com pessoas que não estão fisicamente presentes.”
Uma solução pode passar por tirar as pessoas da equação. É aqui que entram os bots (robôs) do Slack. Ou seja, partes automatizadas do software capazes de responder a questões simples como o agendamento de uma reunião ou o que será o almoço no refeitório da empresa. “Podemos juntá-los à nossa equipa e serão mais um colega de trabalho”, diz April Underwood, chefe de desenvolvimento do Slack. Um dia, à medida que a inteligência artificial for voluindo, podem até preencher a nossa folha de despesas ou calcular o orçamento do ano seguinte.
A tecnologia continua a mudar a forma como falamos uns com os outros, o que também muda quem somos. Para onde nos levará o Slack? Nem mesmo Butterfield consegue saber.