Por estes dias, há muito galo a perder o pio e a crista. Para estarem em boa forma, prontinhos para ir ao forno, lá por alturas da Feira de Santa Luzia (a 13 de dezembro), é em junho que os frangos dizem adeus à virilidade, antes mesmo de a porem à prova. É assim desde há tanto tempo que ninguém consegue afirmá-lo com precisão. Reza uma das lendas que começou em Roma, quando o cônsul Caio Cânio, incomodado com o cantar madrugador dos galos, decidiu proibir a presença dos galináceos no perímetro urbano da cidade. Desagradados com a medida, os súbditos descobriram que a solução era capar os animais e cortar-lhes a crista. Impedido de galar as galinhas e sem função reprodutora, o capão, como passou a ser designado, engordou e ganhou outro paladar, mais tenro e gostoso. Foi o azar do bicho. Transformado ao longo dos séculos em manjar dos reis, utilizado como pagamento de impostos aos senhores feudais e ao clero, e também ao doutor ou ao professor da aldeia, em tempos mais recentes, foi em terras de Freamunde que o capão ganhou fama. Camilo e Eça foram apenas dois dos mais ilustres escritores a dedicarem-lhe a faca e o garfo… e várias linhas nas suas obras.
Mas, antes de chegar à mesa, o capão tem muito grão para debicar. Margarida Mota, a mais antiga “castradora” do galináceo, já perdeu a conta a quantos galos capou. “Tenho 84 anos e faço isto desde os 18, quando me casei. Se cobrasse cinquenta cêntimos por cada um… já devia ter aqui um prédio em Freamunde”, afirma, com um sorriso de quem não faz mesmo a mais pequena ideia. Normalmente é a ela, a “Guidinha dos Capões”, que uma boa parte dos produtores da região recorrem quando é preciso dar aquele golpe fatal na virilidade do bicho, por volta dos três, quatro meses, “quando começam a cantar e a levantar a crista”. Mas o melhor é não entrar em pormenores que o conteúdo do texto já deve ter deixado de cabelos em pé muitos defensores dos direitos dos animais. A filha, Albina Mota, 65 anos, já acompanha Margarida há muitos anos mas também não aprecia por aí além a operação. “Prefiro segurar neles enquanto a minha mãe trata do assunto”, confessa.
Com uma pequena produção em Lousada, José Cruz, 40 anos, abalançou-se no negócio há dois anos. Ao contrário da maioria, não vende apenas os galináceos quando estão prontos para cozinhar (aos onze ou doze meses), “mas pouco depois da castração, com cerca de dois quilos e meio”. É nessa altura que a taxa de mortalidade aumenta, porque muitos acabam por ser vítimas de infeções e não resistem. “É por isso”, explica José, “que é geralmente neste período, entre o fim da primavera e o início do verão, que se faz isto, para eles poderem recuperar melhor ao ar livre e não correrem tantos riscos”.
Na região, que engloba também outras freguesias do concelho de Paços de Ferreira e algumas de Lousada e Paredes, há cerca de 70 criadores que produzem e vendem, anualmente, à volta de dois mil bicos. Ricardo Graça, presidente da associação, espera que “com este passo da certificação da União Europeia seja possível começar a vender o capão já embalado e, sem pretender massificar a produção, fazê-lo chegar a zonas mais longínquas do País”. E assim evitar episódios como o daquele restaurante de luxo de Lisboa “que queria tanto ter capões para um evento que a única solução foi enviá-los de táxi”. A pagar no destinatário, claro que os 50 euros cobrados por cada animal não davam para os gastos.