O aproximar do 50.º aniversário mudou-lhe a forma de pensar. Em Parentalidade Positiva, o seu 29.º livro, Pedro Strecht revela-se como nunca, tocando de perto os leitores. Uma conversa à volta da vida que existe – e tem de existir – para além da crise.
A parentalidade positiva está na moda?
Este livro reflete as principais preocupações do crescimento das crianças, partindo do princípio de que o trajeto do desenvolvimento nunca segue em linha reta há barreiras, dificuldades e preocupações. Um filho não é uma máquina que nunca avaria. Estes últimos anos, marcados pelas dificuldades económicas, tiveram um impacto muito grande nas dinâmicas familiares. As perspetivas de futuro são, muitas vezes, olhadas como um beco sem saída. Se um dos pais é obrigado a ausentar-se do País, há que pensar em resolver os problemas imediatos, ficando mais rarefeita a capacidade de nos ligarmos uns aos outros. Mesmo parecendo difícil, precisamos de cuidar daquilo que Freud chamava de “nossos jardins”.
Por isso sentiu necessidade de apelar a um lado positivo?
O desenvolvimento normal pressupõe sempre um olhar em frente, de uma forma despreocupada, e rotinas relativamente protegidas de cargas. Não é normal que cheguem ao meu consultório crianças ansiosas porque o pai ou a mãe estão desempregados ou porque terão de sair do colégio e perder o contacto com os amigos. Isso preocupa-me, porque são questões que não dizem respeito ao centro do crescimento – esses meninos não estão a pensar nas brincadeiras, no sonho, nos amigos. Estão submersos por uma envolvente externa que se tornou maligna. Temos de criar pequenas aldeias, pontos de fuga e de escape, que criem linhas de horizonte sobre as quais lhes seja permitido respirar e encontrar um equilíbrio interior.
Os pais deviam proteger mais as crianças?
Tome-se um exemplo concreto: um casal que se separa, sem condições para ter duas casas. Decide então passar as crianças para a cama de casal com a mãe, enquanto o pai dorme no quarto dos filhos. Por outro lado, a cultura envolvente dos miúdos está muito marcada pelo negativo, pela morte. Alguns veem as notícias, porque os pais ligam a televisão ao jantar, e depois vêm para a consulta fazer perguntas sobre decapitar pessoas ou se a praia da Caparica pode ter sangue nas ondas. Deviam saber que as crianças não sabem distanciar-se do que ouvem.
As doenças mentais têm aumentado?
Aumentaram e mudaram. A OMS já diz há alguns anos que os problemas de saúde mental serão a principal causa de morbilidade num futuro muito próximo. Em Portugal, os psicofármacos são o segundo grupo de medicamentos mais vendido, a seguir aos antipiréticos e muito à frente de antibióticos.
As crianças são muito medicadas?
Há um excesso de intervenção medicamentosa. É muito mais caro levar uma criança a um acompanhamento psicológico do que dar-lhe uma pílula.
Pais otimistas, crianças felizes. Isto é assim tão matemático?
Não há equações simplistas nesta área. Costumo dizer para evitarem coisas como “os 101 pontos que nunca devemos esquecer” ou “como lidar com o seu filho em 10 lições”. Mas ainda ouço que é uma pena um filho não vir com manual de instruções.
Existem vários capítulos biográficos. Qual foi a intenção dessas revelações?
Há uns tempos, a minha editora disse-me que as pessoas deviam saber quem eu era. Neste livro surgem pequenas coisas de ligação. Também deve ter a ver com o aproximar dos 50 [risos]. E, antes de começar a escrever, li o Relatório do Interior, de Paul Auster, de que gostei muito. No início, ele descreve-se de uma forma livre e isso marcou-me, em termos de estilo.
Dedica o livro a todos os pais que querem o melhor para os filhos. Não é redundante?
Há muitos pais que interpõem as suas necessidades à frente das dos filhos, embora não o percebam de forma consciente.