Estávamos há mais de uma hora naquilo e nenhum deles mostrava sinais de cansaço. A campainha tocara duas vezes mas ninguém quisera fazer um intervalo; das mochilas saíram iogurtes, uma sanduíche, rebuçados, e seguimos para bingo. Afinal, os oito, três rapazes e cinco raparigas entre os 18 e os 21 anos, passam os dias juntos desde o 10.º ano. Estão no 12.º, são grandes amigos, têm muitos interesses em comum… e um deles é o sexo. Até criaram um blogue virtual, tão virtual que só está alojado nas suas conversas. Chamaram-lhe O Pepino e usam-no para partilharem histórias de sexo sem os outros darem por isso.
– Falamos muito de sexo porque o sexo é uma coisa normal, faz parte de uma relação.
C., rapaz, 19, anos
– E não temos tabus, falamos sobre sexo anal, oral…
S., rapariga, 20 anos
Quando entrámos numa sala do rés do chão da parquescolarizada Escola Básica e Secundária Lima de Freitas, no alto do Viso, um antigo bairro de pescadores, em Setúbal, e explicámos ao que estávamos, já não esperávamos ouvir risinhos nervosos. Celeste Candeias, professora de Biologia e coordenadora do Gabinete de Atendimento aos Jovens, pioneiro nos anos 90, fizera notar que o à-vontade para falar sobre sexo é, agora, muito maior (“no início, os miúdos até apareciam no gabinete às escondidas”). “O sexo”, acrescentaria Paula Cruz, a professora daquela manhã, “hoje entra-lhes pela casa adentro”.
Ele está em todo o lado, concorda-se na sala. Na pré-história das vidas destes finalistas de liceu, havia o Canal 18, que quase todos viam às escondidas dos pais e que foi rapidamente destronado pela internet. “Mas agora nem é preciso ir à procura de pornografia porque há sexo nos filmes, nas séries, na publicidade”, lembram. Até de mais?
– [O programa de televisão] Casa dos Segredos é por cima de toda a folha! Torna-se um bocado porco porque fazem [sexo] à vista de toda a gente.
R., rapaz, 18 anos
– À vista? Mas eles estão debaixo do edredão...
P., rapariga, 21 anos
– Ah, não me digas que jogam à sueca!
F., rapaz, 18 anos
Nem sueca nem apenas bilhar de bolso, “e o pior é as crianças verem aquilo”, acreditam. “Os jovens deviam começar por aprender nas escolas.” A sexualidade vai sendo falada nas várias disciplinas porque a lei tornou a Educação Sexual obrigatória, mas raramente passa da dimensão biológica, queixam-se.
Não estarão sozinhos na queixa. O mesmo disse recentemente quase metade (48,9%) dos alunos do 2.º e 3.º ciclo do concelho do Porto, questionados por Susana Marinho que dedicou à Educação Sexual a sua tese de doutoramento, na Universidade do Minho. “Os professores ensinam a usar o preservativo como se o sexo fosse só corpo.” E, “depois, dá no que dá”.
– Aqui na escola, há miúdas de 13 anos com mais histórias [de sexo] que sei lá o quê. Dizem à boca cheia o que fazem e depois são malvistas, vão postas na cruz.
R., rapaz, 18 anos
– Já um miúdo é um machão. Se calhar, chega a casa e o pai diz-lhe: ‘Boa, filho!, eu com a tua idade ainda só tinha dado duas’. É a sociedade que temos.
F., rapaz, 18 anos
Entre os miúdos, há também os que inventam que já foram para a cama “só para se integrarem no grupo”, como se a virgindade fosse uma vergonha entre os rapazes. E, já agora, as que se sentem culpadas por procurarem o prazer. Um erro, dizem.
– Ter ou não ter prazer é um tema diário das nossas conversas.
C., rapariga, 20 anos
– O prazer é bom. Só nos sentimos culpadas se tivermos prazer com um rapaz quando gostamos de outro.
N., rapariga, 19 anos
É, então, que, muito a propósito, alguém fala de acessórios e as vozes femininas se sobrepõem umas às outras: “Algemas!”
– Gosto de algemas, vendas, lubrificantes, óleos de massagem…
D., rapariga, 21 anos
– Também gosto de chicotes; só aquelas bolas na boca é que me fazem confusão!
S., rapariga, 20 anos
– E vibradores? Ninguém fala de vibradores?
A., rapariga, 19 anos
Aproveitamos para voltar ao início da conversa, ao momento em que o tema foi apresentado na sala com a pergunta “Alguém tenciona ver o filme As 50 Sombras de Grey?” A avaliar pelas respostas, as salas de cinema do novo centro comercial da cidade vão esgotar.
Todos sabem que Christian Grey introduz Anastasia Steele no mundo do BDSM; a trilogia pode não passar de “porno para mamãs”; e o filme tem, pelo menos, uma cena de sexo tão “forte” que escandalizou a cantora Beyoncé, autora de duas das canções da banda sonora. Mas confessam que não conseguem resistir à curiosidade. “É que não se fala de outra coisa!”