Nota: Este artigo foi publicado na VISÃO nº 1127, de 9 de outubro
Sara Moreira foi uma das estrelas em destaque na Meia Maratona de Lisboa, onde foi a única europeia a subir ao pódio: ficou em segundo lugar. Correu da melhor forma esta espécie de “último ensaio” para um dos maiores desafios da sua carreira.
Aos 28 anos, depois ter brilhado nas pistas, em provas de fundo e meio-fundo, a atleta de Santo Tirso vai pela primeira vez disputar uma maratona. Será na mítica Maratona de Nova Iorque, onde participa a convite da organização. “Aceitei para ver como me sinto a correr distâncias mais longas. Não quero fazer maratonas só no final da carreira, quando não tiver mais nada para dar na pista”, explicou à VISÃO, na véspera da prova de Lisboa. Nas suas palavras nota-se uma mistura de nervosismo e entusiasmo, própria de quem está a descobrir um novo mundo. “Se há uns anos me convidassem para correr uma maratona diria logo que não, mas hoje sinto-me uma atleta mais madura e não podia recusar este desafio. Está tudo a ser diferente e novo, tanto ao nível dos ritmos como das distâncias. Estou a tornar-me numa atleta mais completa também por isso, tanto física como mentalmente”, sublinha.
O objetivo inicial, para Nova Iorque, passava por “terminar com um tempo abaixo das duas horas e meia”, mas, com o avançar do treino, confessa existir já “a expetativa de conseguir uma marca melhor”. Tudo “depende da capacidade de superação” que tiver nesse dia. Se for a mesma que tem evidenciado nos últimos meses, nos exigentes treinos para a prova rainha do atletismo, então – acreditam todos os que a rodeiam -, o sucesso estará garantido.
Treino: 200 km por semana
O dia de Sara Moreira começa cedo, ainda antes das oito. “Trato do meu filho e depois de tomar o pequeno-almoço, vou levá-lo à escola.” Por volta das 10 já está a treinar: cerca de uma hora e meia pela manhã, entre corrida e alongamentos. “Regresso a casa, descanso um pouco e depois de almoço vou buscar o meu filho à escola, para o levar à avó.” E segue-se mais uma sessão de treino. “É normal atingir os 35 km por dia, o que dá uma carga semanal na ordem dos 200 quilómetros. Chego ao fim e sinto-me uma heroína”, conta a atleta, que teve de adaptar todas as suas rotinas para cumprir os novos planos de treino, em especial agora que é mãe – o filho, Guilherme, tem 11 meses e é fruto do casamento com Pedro Ribeiro, seu treinador.”Costumo dizer que o Guilherme foi a melhor medalha de toda a minha vida, não há nada comparável a ser mãe.” Uma experiência que, assume, quer repetir. Mas mais tarde, numa altura em que já não tenha de lidar com a questão do regresso à alta competição. “A pressão que exerci sobre mim própria foi muito grande e se calhar não usufrui tanto da gravidez como gostaria.
O Guilherme nasceu a 1 de novembro e, no dia seguinte, já estava a pensar em treinos e objetivos, porque em agosto queria competir em Zurique, no campeonato da Europa de Atletismo”, recorda. E conseguiu fazê-lo, mais uma vez à custa de muito sangue, suor e lágrimas. “No início, não tinha capacidade física para aguentar os treinos, mas o objetivo de atingir os mínimos para o Campeonato Europeu serviu-me de incentivo. Sofri imenso, mas insisti, transcendi-me e transpus barreiras que noutra altura me pareceriam impossíveis de ultrapassar.”
O efeito Fernanda Ribeiro
Foi na escola primária, com apenas 8 anos, que Sara fez a sua primeira corrida, “um corta-mato, com os colegas da quarta classe”, e que venceu, sendo de imediato convidada a ingressar no clube de atletismo de Roriz, a sua aldeia natal. “Comecei apenas por brincadeira, para ter algo que fazer e me divertir”, lembra. Mas, a 2 de agosto de 1996, ao ver Fernanda Ribeiro sagrar-se campeã olímpica dos 10 mil metros, nos Jogos de Atlanta, um sonho começou a tomar forma. “Ver o País todo a festejar daquela forma, foi algo de muito intenso para mim. Lembro-me de pensar que, um dia, também eu gostava de ser uma campeã, para correr numa pista daquelas com a bandeira de Portugal aos ombros. Não fazia ideia do que eram ou significavam os Jogos Olímpicos, mas esse momento motivou-me para continuar a treinar e a competir, para um dia poder representar Portugal.”Com o passar do tempo, os resultados foram surgindo e, com eles, o sonho transformou-se na ambição de se superar e ser cada vez melhor. “Quando em 2009 ganhei a minha primeira medalha de prata, nos 3 mil metros, no Campeonato da Europa de pista coberta, senti o momento como algo de muito natural, porque trabalhava todos os dias para isso e sentia-me a progredir a cada treino.”Seguir-se-ia outra medalha, desta vez de bronze e na distância de 5 mil metros, nos campeonatos da Europa de 2010, realizados em Barcelona. “Depois de conquistar uma primeira medalha, aí sim, passa-se a competir com uma responsabilidade acrescida e a querer atingir outros objetivos, o que ainda dá mais vontade de treinar. Se ganho a prata quero o ouro, se ganho o ouro, quero repetir.” Tão simples quanto isto…
Da queda ao pódio
Com uma carreira desportiva em crescendo, Sara Moreira sofreu um rude golpe nas suas aspirações desportivas em outubro de 2011, ao ver confirmado como sendo “positivo” o uso de estimulantes num controlo antidoping, realizado em agosto desse ano durante o Campeonato do Mundo de Daegu, na Coreia do Sul. A atleta clamou sempre inocência. Como ficaria provado, tratou-se de um caso de contaminação de um suplemento alimentar, em que a substância proibida não vinha mencionada no rótulo. Ainda assim, não se livrou de uma suspensão de seis meses, em jeito de advertência para um erro involuntário – nos casos provados de doping voluntário, o castigo é habitualmente de dois anos. “Custou-me muito aceitar as razões porque aconteceu. Como justifiquei a todas as entidades, tomei a substância em questão sem o saber e não com o objetivo de melhorar o meu desempenho. Foi uma situação injusta, mas são assim as regras e apenas tinha que assumir a responsabilidade e seguir em frente. Neste momento já está tudo claro na minha cabeça e é uma situação completamente ultrapassada”, garante. Uma vez mais, foi nos treinos que encontrou o seu porto seguro. Mesmo suspensa, continuou a treinar, apesar da “grande raiva” que sentia. “Só passou quando voltei a competir e a obter resultados, pois só assim senti que ficava provada a minha inocência. Estava de consciência tranquila, o que consegui foi fruto do meu trabalho e tudo voltaria ao normal, ao patamar onde estava antes.”Regressou à competição ainda a tempo de participar nos Jogos Olímpicos de Londres, onde não foi além de um 14.º lugar nos 10 mil metros. Mas apenas um ano depois, nos campeonatos da Europa de Pista Coberta, em Gotemburgo, na Suécia, sagrava-se campeã europeia dos 3 mil metros, cumprindo finalmente o desejo de menina: correr numa pista com a bandeira nacional às costas.”Depois de tanta persistência, foi uma sensação única, chegar a esse momento de não haver ninguém melhor que eu. Só assim faz sentido treinar todos os dias. Se não houver um sonho, um objetivo ou uma meta a alcançar, acabamos por não ter nada em que nos focar.”É a mesma motivação que a leva a querer terminar o curso de fisioterapia, interrompido em 2008, devido à sua estreia olímpica, nos jogos de Pequim. “É uma área que me fascina muito e tenho o sonho de um dia poder vir a exercer”, desvenda. No futuro, quando abandonar a competição, apenas sabe que gostaria de continuar ligada ao desporto. “Como em Portugal não é fácil fazer carreira como treinadora, talvez consiga ajudar outros atletas sendo fisioterapeuta.