Com a fórmula do costume – um código por desvendar, ação em vários pontos do globo -, José Rodrigues dos Santos, o autor português que mais vende, lança a sétima aventura do “seu” Tomás de Noronha, o criptoanalista metediço. Em A Chave de Salomão – que é hoje posto à venda e será apresentado este sábado, 25, por um físico e um psiquiatra, na FIL, em Lisboa -, o jornalista da RTP e professor de 50 anos mergulha no universo da física quântica e dos mistérios da consciência.
A Chave de Salomão deu mais trabalho a escrever do que os outros?
A escrever, não, a pesquisar, sim. A matéria era muito complexa [física quântica] e o grande desafio que enfrento nos meus romances é usar uma linguagem o mais clara possível, mesmo em assuntos de grande complexidade. Tive de compreender e dominar o tema e para fazer isso foi preciso ler muitos autores. Também tive discussões com físicos, referidos no livro, que me foram conduzindo para novas leituras.
Como escolhe os seus consultores?
São pessoas que têm trabalho estabelecido na área em causa. No Codex, por exemplo, que era sobre Cristóvão Colombo, fui buscar um dos principais peritos em História dos Descobrimentos. Com A Chave de Salomão consultei físicos, para me ajudarem e identificar eventuais erros que eu pudesse ter cometido.
Neste caso, a componente científica do livro debruça-se sobre a física quântica – uma matéria difícil de compreender…
É difícil se usarmos a linguagem da física. Se usarmos uma linguagem mais coloquial, mostrando os aspetos misteriosos que advêm das descobertas científicas, então torna-se apaixonante. O que os físicos descobriram foi que uma partícula pode estar, e está, em vários sítios ao mesmo tempo – a mesma partícula, não está dividida! Está 100% aqui e 100% acolá; que o universo está todo ligado; que uma partícula num lado do universo influencia outra, noutro lado. Isto é o mais próximo da magia que podemos imaginar. Só que não é imaginação. Corresponde a descobertas científicas. Também nos diz, a física, que a realidade só existe enquanto tal, se houver um observador, que a observação cria parcialmente a realidade, que quando não observada a realidade é aquilo a que o Einstein chamava “o campo fantasmagórico”. Isto são coisas estranhas e misteriosas, das quais os cientistas não gostam muito de falar, porque percebem que facilmente resvalam para a metafísica.
Para o misticismo?
O próprio Heisenberg [físico alemão, que recebeu o Nobel em 1932 pela criação da mecânica quântica] escrevia sobre isso. Há um misticismo inerente a estas coisas e é interessante explorá-las nas suas várias vertentes.
É por isso que a sobrecapa remete para o misticismo, apresentando um pentagrama, e a capa apresenta uma foto de Einstein com o colega físico Niels Bohr?
Isso é o que faço sempre. A sobrecapa remete para a área ficcional do romance e a capa é uma imagem associada ao assunto real. A fotografia é de 1930, da altura do 6.º Congresso Solvay, em que se discutiam estes temas de que se fala no livro.
Não há o risco de o leitor se baralhar e confundir a realidade científica com a ficção?
Nos meus romances, a divisão é muito clara. Se o Tomás dá um beijo, toda a gente sabe que é ficção, mas se está a discutir a experiência das duas fendas, toda a gente sabe que é realidade. É muito raro um leitor confundir-se. Há uma intriga ficcional mas a informação científica e histórica é real.
Mas há uns detalhes mais esotéricos. ?A Chave de Salomão, por exemplo, está ligada à magia.
Sim, mas é um documento real que ajuda a intriga ficcional a desenvolver-se. Se dissermos que é um romance sobre física não estamos a fazer-lhe justiça. É sobre a consciência, a realidade, a existência da alma, ou não, e o sentido da vida. Discute-se o que acontece quando morremos. Há estudos médicos reputados que indicam que até 23% das pessoas em paragem cardíaca passam por uma experiência de quase morte. Há figuras públicas, como o Fernando Dacosta, o Vicente Jorge Silva ou o José Ramos-Horta, que relatam este tipo de experiências. É muito mais comum do que se pensa, mas as pessoas têm uma certa vergonha de falar nisso. E são experiências interessantes de explorar. É comum falar-se em “sair do corpo e ver-se a si próprio”. Mas como é que isso pode acontecer se os olhos estão lá em baixo? Isto levanta uma série de questões e perplexidades. Quais são as explicações?
Como surgiu a ideia de escrever sobre este assunto?
O que acontece quando morremos sempre me interessou. Há oito anos, quando escrevi A Fórmula de Deus, pensei nisso. Mas só há uns três anos, quando estava a ler sobre a experiência da dupla fenda – a experiência mais misteriosa da ciência -, que mostra que é a consciência que cria a realidade, é que me apercebi de que havia ligação entre a matéria da consciência da alma, se é que a alma existe, com o que acontece quando morremos. Foi a ignição para escrever este romance. Quis tocar nesta área do ponto de vista científico. Quando Einstein nos diz que a realidade é um fantasma até ser observado, há uma ligação subtil a esta questão. Portanto, achei que podia escrever um romance sobre a consciência em geral. Sobre o seu aspeto médico, metafísico e físico.
E este interesse pela ciência, nasce como?
Para mim, a ciência é um diálogo que nós estabelecemos com a natureza, em que formulamos perguntas e depois a natureza dá-nos respostas. Eu acredito que, se Deus existe, Ele é a natureza. Deus é tudo à nossa volta.
É nisso que acredita?
Sim. Temos leis que existem no universo e que são naturais. A gravidade, por exemplo. Há uma ligação forte entre ciência, metafísica e questões filosóficas profundas. Durante muitos anos, quem lidava com as questões filosóficas fundamentais eram os filósofos: quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Hoje em dia, os filósofos já não tratam estes assuntos. Tratam questões da linguagem. Porque as questões da existência são abordadas numa linguagem que os filósofos já não compreendem. Quem faz as pesquisas sobre as questões fundamentais são os físicos e os matemáticos. Houve um deslocamento da filosofia para a física e é por isso que é interessante tocar na física pelo seu lado filosófico. Porque me parece que os físicos não têm os instrumentos filosóficos necessários para compreenderem as verdadeiras consequências do que estão a descobrir. E as pessoas que têm estes instrumentos não compreendem a matéria da física. Neste romance, estabeleço a ponte entre a filosofia e as descobertas da ciência.
Mas não respondeu à minha questão… como nasceu o interesse pela ciência?
A ciência dá-nos resposta às questões fundamentais da existência. E o grande desafio é transformar estas descobertas, que são muito herméticas, e contá-las de uma forma que até a minha avó seria capaz de compreender. Usando histórias, personagens.
Vê-se como um divulgador de ciência?
Não tanto isso. Interessa-me a verdade, a realidade. Um dos meus autores preferidos é Philip Roth – obcecado com a verdade! Por mais inconveniente que ela seja. Eu podia contar a história do Joaquim que conheceu a Maria … mas existem 200 mil livros a contar histórias assim. E isso não me interessa. O que me interessa é contar histórias através das quais tomamos conhecimento da realidade. A guerra colonial, de que falo n’O Anjo Branco; ou a vida do Calouste Gulbenkian, como fiz n’O Homem de Constantinopla; ou explicar o islão radical, em ?A Fúria Divina. Agora n’A Chave de Salomão discuto o que é a morte, o que acontece quando morremos. Uso a ficção como instrumento de verdade. Eu descobri que conseguimos efeitos de verdade mais profundos através do discurso ficcional do que do não ficcional. Porque no não ficcional precisamos da prova – no discurso histórico, no jurídico, no jornalístico. Não basta saber que aquilo é verdade, tenho de o provar. Por outro lado, a ficção é como uma reportagem, tem a capacidade de nos transportar, enquanto leitores, para o local.
Sente que este trabalho é próximo do que faz enquanto repórter de guerra?
As motivações são diferentes. Eu fiz reportagem de guerra por várias razões, ao longo da minha carreira. Em setembro, quando fui ao Iraque, ao Estado Islâmico – e até fui eu que desafiei a RTP -, foi um pouco em ligação com o meu livro O Homem de Constantinopla. No verão de 1914, os turcos cometeram um genocídio sobre os arménios. Ora, no verão de 2014, exatamente 100 anos depois, está o Estado Islâmico a sujeitar os cristãos a um genocídio cultural. Eu não sou religioso mas achei que era uma história que tinha de ser contada. Compreendo que para a imprensa portuguesa é muito difícil entrar no Iraque. Primeiro, porque já não há os mesmos recursos financeiros e depois porque é um sítio inerentemente perigoso. A minha motivação foi dar a conhecer uma realidade. Tenho a consciência de que contei a história. Arrisquei o pelo, mas fiz o meu papel. Houve um português lá.
Foi a vez em que sentiu mais medo?
Nós sentimos sempre medo, sobretudo antes da partida. O melhor momento é quando voltamos.
Diz-se que é o Dan Brown português. Aceita?
É-me indiferente. Algumas pessoas ficariam ofendidas. O meu agente americano disse-me: qualquer autor com muito sucesso trouxe algo de novo. O Dan Brown criou um género.
O que sabe do seu público?
É muito variado. Para já, quem lê, quem compra livros, tem um determinado nível cultural. Eu não estou a falar para qualquer pessoa. São pessoas informadas que leem livros, revistas, jornais. Recebo e-mails de leitores de 12 anos, reformados, médicos, cientistas. Um livreiro disse-me que os meus livros são os únicos da sua livraria que vendem tão bem no Dia do Pai como no Dia da Mãe. Porque têm a parte da ficção, intriga, amor, espionagem e, depois, a ensaística de que os homens gostam.
Mantém uma relação de proximidade com os seus leitores?
Sim. Ainda hoje estive a responder a e-mails. Os meus lançamentos – o deste livro será a 25 de outubro – atraem pelo menos meio milhar de pessoas. Tirando as feiras do livro, não há nenhum evento em Portugal que junte tantos leitores.
Tem um clube de fãs?
Em França, tenho. Com uma página de ?Facebook e tudo.
E espreita o que se passa nesta página?
Não uso o Facebook. Aliás, as redes sociais passam-me totalmente ao lado. Só respondo aos e-mails dos leitores. De resto, sou imune a tudo isso, blogues, twitters. Não tenho tempo! Para fazer tudo aquilo que faço é preciso disciplina. Sou muito concentrado e focado. O sucesso tem a ver com a nossa capacidade de nos focarmos numa coisa. É assim com o Ronaldo ou o José Mourinho.
Mas tem alguma aversão à tecnologia?
Bem, tenho telemóvel, que uso para receber e fazer chamadas. Quando fui para o Haiti tive de aprender a enviar SMS [na sequência do terramoto de 2010, não era possível realizar chamadas]. Ofereceram-me um iPhone e eu dei-o à minha filha. Não sabia usar aquilo.
Sente isso como uma limitação?
Sim. Mas sou feliz assim. Este ano fui à Ucrânia, para cobrir a revolução, e, às tantas, estava na sala de embarque, em Odessa, e toda a gente à minha volta estava agarrada ao telemóvel, a fazer coisas que eu não percebi bem o que eram. Dei por mim a pensar que era um ET: ali quieto, sem fazer nada. O meu primeiro livro foi escrito todo à mão. Passei-o à máquina, fiz as emendas, e depois voltei a passá-lo à máquina.
É conhecida a sua disciplina de trabalho.
Tem de ser. Mas atenção que isto não é a tropa. Eu só escrevo quando me apetece. O problema é que me apetece sempre. Por mim, estaria a escrever de manhã à noite, todos os dias.
De onde lhe vem esse prazer?
É um ato de liberdade muito grande. A possibilidade de contar a verdade através da ficção, de me libertar, de viajar no tempo, no espaço, de lidar com ideias.
Dar-lhe-ia o mesmo prazer se não tivesse leitores?
Provavelmente, não. Qualquer escritor que diz que não quer saber do leitor ou é disfuncional ou está a mentir. Todos os autores querem ter leitores. Se não, era terapia. O livro é uma comunicação com alguém. Nenhum homem é uma ilha. Recebi, há tempos, um e-mail de um leitor francês que me disse que o meu livro, A Fórmula de Deus, o tinha curado. Ele tinha uma depressão e quando acabou de ler o livro sentiu que todas as questões que lhe causavam a depressão tinham sido ali respondidas.
Nunca vai aos sítios que servem de cenário aos seus livros antes de escrever. Porquê?
Já fiz isso, mas correu mal. Quando vamos antes, começamos a pegar em coisas irrelevantes e enchemos o livro com isso. O método agora é: faço a pesquisa sobre o sítio, escrevo e depois vou lá.
Foi o que aconteceu agora com o CERN [centro de pesquisa nuclear, em Genebra, Suíça, onde se passa parte da trama]. Porque sente necessidade
de ir depois?
Gosto de confrontar a minha imaginação com a realidade. Neste caso, achei a sala de controlo mais mundana. Tinha imaginado uma coisa mais pequena, parecida com a sala de controlo da NASA. Já a experiência ATLAS – onde está o ponto mais quente e também o mais frio do universo – é uma máquina extraordinária! Quando a vi pareceu-me mais gigantesca, descomunal, do que todas as descrições que tinha lido.
Quando será traduzido este livro?
Em francês já está. Aliás, o livro já foi lançado em França, porque lá a época dos lançamentos é a primavera. Estão vendidos os direitos para turco, búlgaro e húngaro. O que não é normal, porque as compras normalmente só começam um ano depois, quando já há números de vendas.
Os seus livros abordam temas muito diferentes: a bomba atómica, os Descobrimentos, o Iraque… Os temas que interessam ao seu herói, Tomás de Noronha. Não será uma espécie de alter ego?
É curioso que, em França, costumam perguntar-me isso. Mas tenho a impressão de que, em Portugal, é a primeira vez. É evidente que pomos sempre algo de nós nas nossas personagens, não só o que somos mas também as nossas fantasias, o que gostaríamos de ser. Isso acontece de certa forma inconscientemente. Conscientemente, ele tem a mesma idade que eu – fiz isso para simplificar as contas. O que tem vindo a acontecer é que ele se vai tornando cada vez mais claro. Vou-lhe conhecendo as manias, coisas que criei, mas que não conhecia no primeiro livro em que ele entra, no Codex. As questões que ele se coloca são as mesmas que eu me coloco.
Ele é também um herói, o que resolve sempre os problemas…
Bem, aí já não é o que eu sou, mas o que gostaria de ser [risos]…