Não consegue transformar sentimentos em palavras. Por isso, fica sempre mal explicada a história que resgatou Miguel Rocha Vieira a uma juventude sem rumo definido para o firmamento das estrelas Michelin. Mas tentemos: passa-se em Londres, no final do século XX, para onde o jovem, filho único nascido e criado em Cascais, ruma para estudar gestão hoteleira. Mais do que o ramo, atrai-o o facto de ir viver sozinho, numa vibrante capital europeia. Não podia imaginar que, 15 anos depois, continuaria a morar fora do país.
O clique sente-o apenas no segundo ano desse curso, que vai tirando sem grande entusiasmo, numa cadeira específica – de culinária, claro está. “Senti a liberdade de poder criar algo vindo do nada, deixar um selo, não sei…” Já nem se lembra bem da aula, pensa que foi sobre comida indiana. Até emigrar, comia apenas porque tinha fome. Mas, em Inglaterra, naquela época, já se fazia o culto dos chefs, que tinham direito a programas de televisão e entrevistas nos jornais – com isso, o mundo da cozinha abriu-se-lhe.
Depois dessa tal aula, ligou à mãe (perdeu o pai na adolescência) anunciando que ia desistir de gestão hoteleira e ingressar na escola Cordon Bleu. “Houve uma discussão, em que ela me lembrou que eu nunca sabia o que queria, mas consegui dar-lhe a volta, porque precisava do apoio monetário.” Algumas semanas depois, estava a iniciar o curso intensivo de cozinha e pastelaria, que duraria um ano. O percurso que se seguiu fez-se de estrela em estrela, de Inglaterra até França, passando por Espanha, num eterno recomeço.
Cheiro a mar e percebes
Quando se é jovem, entra-se nas cozinhas por baixo, para separar ervinhas aromáticas ou lavar o frigorífico, aprendendo e evoluindo como cozinheiro. “Não gostava dessas tarefas, mas tinha consciência de que era preciso passar por todos os degraus. E, muitas vezes, era obrigado a dar um passo atrás e mostrar outra vez o que valia.”
Cansou-se de trabalhar nas cozinhas dos outros. Em 2008, decidiu que era altura de continuar o caminho sozinho e aplicar tudo o que aprendera. Enviou o currículo para Budapeste, lutou pelo lugar com um chefe francês (um fez o jantar, o outro o almoço). Ficou ali para abrir o restaurante Costes – num país desconhecido, onde se falava uma língua que não dominava (e ainda não domina), não havia cultura gastronómica e a matéria-prima era difícil de encontrar. “Foi complicado. Estive dois anos a trabalhar sete dias por semana.” Cinco anos depois, a situação mudou, mas pouco. “Pelo menos, os húngaros já dão mais importância ao que comem.”
Miguel Rocha Vieira, hoje com 35 anos, tornou-se uma figura pública assim que, em 2010, conquistou a primeira (e única) estrela Michelin do País. A sua cozinha de autor atrai foodies de todo o mundo (90% de estrangeiros) e até estrelas de Hollywood, como Angelina Jolie e Brad Pitt.
Como nunca cozinhou em Portugal, Miguel Rocha Vieira é um chefe do mundo. “Quem dita o que está no menu é a natureza. Nunca haverá espargos em novembro ou morangos em janeiro.” Segue a técnica clássica francesa, com pinceladas mediterrânicas, respeitando sempre o produto e o seu sabor. Em casa, não põe um pé na cozinha (mudou-se há um ano e o fogão ainda está por estrear).
Apesar de ter ido todas as semanas ao Costes distribuir serviço, durante os dois meses em que esteve em Lisboa para as gravações do Masterchef, com a mulher espanhola e o filho bebé, aproveitou para matar saudades do cheiro a mar, da praia e dos percebes – uma das iguarias de que mais gosta.