O título da palestra que Francisco Pinto Balsemão deu na Calouste Gulbenkian, em Paris, quarta-feira, no ciclo das Conferências Europeias da Fundação, aguçava a curiosidade: “Das contradições do presente à singularidade do futuro”. Apresentado por Nicolas de Tavenost, presidente do grupo de televisão M6, como um patrão de imprensa europeu “com uma ética”, à frente de um “grupo de media activo e muito bem gerido”, Pinto Balsemão começou por encostar a Europa e os seus dirigentes à parede: “Vivemos um presente cheio de contradições que nos paralisam. (…) No caso da União Europeia temos de saber se queremos que a UE vença, ou não. Se a resposta é não, então continuamos como estamos. Se é sim, temos de avançar com as reformas necessárias. Não podemos ficar a meio caminho”. Meio caminho é, por exemplo, a entrada em prática do Tratado de Lisboa, que acaba por deixar a célebre ironia de Kissinger – “a Europa tem um número de telefone?” – tão actual hoje, como há 40 anos.
“A inacção europeia conduzirá a prazo a uma perda de potência, à derrocada da UE e à vitória dos que não querem que o euro exista” advertiu o antigo primeiro-ministro, acrescentando que o avanço da Europa para o seu “objectivo último, que é a integração”, implica abdicar de uma parte da soberania. Esta cedência de todos os governos europeus – “mesmo se alguns são mais iguais do que outros”, ironizou o orador – é a contrapartida de uma política fiscal europeia harmoniosa: “Se não concordamos com isto, então devemos ter a coragem de concordar com a Mme. Le Pen e dizer não ao euro!”.
Depois da provocação, Pinto Balsemão arguiu o seu ponto de vista com o Trilema de Rudrik, ou seja, a teoria do “triângulo de incompatibilidade” do economista Dani Rodrik, segundo a qual é impossível conciliar democracia, soberania e globalização económica. Para Rudrik, uma destas variáveis não pode existir em simultâneo com as duas outras. Pinto Balsemão escolheu claramente o seu binómio: “A minha opção é a democracia com a globalização, que é irreversível”.
Mas será também a democracia irreversível? E globalizável? Algo céptico quanto ao cariz universalista dos modelos ocidentais, a começar pelo da democracia, Pinto Balsemão considera que “há respostas menos visíveis” para implantar a democracia, como a libertação da sociedade civil ou a cultura. E acrescenta que “se nas sociedades em rede contemporâneas há uma desagregação das organizações piramidais que conhecíamos “, as modalidades da “democracia de proximidade não substituem a democracia clássica”. O orador duvida, de resto, que a contribuição das redes sociais – Twitter, Facebook,etc. – para o exercício da democracia seja tão determinante como o pretendem alguns analistas. Considera, isso sim, que elas acrescentam novas contradições ao presente, como, por exemplo, a nossa relação com a privacidade: “Dizemos não à invasão da nosso vida privada, mas se a privacidade é tão importante, como a conciliar com a constante transmissão de dados pessoais na internet e nas redes sociais?”.
O ser humano “parece hipnotizado por todas as novas tecnologias, o que enfraquece a democracia”, afirmou. Senão, veja-se o caso dos medias: “Precisamos ainda deles? E dos jornalistas?”. A informação está acessível em tempo real e em todo o lado do mundo, via os mais variados meios e difusão. Este “excesso de informação provoca uma deficiência de atenção, o pensamento profundo fica bloqueado, a compreensão obstruída e a aprendizagem torna-se mais difícil”. No magma que circula no web, o que é informação? “Os profissionais da informação, os jornalistas, têm regras e uma deontologia a seguir. O poder dos desinformadores é não assumirem responsabilidades pelo prejuízo moral e material que provocam O Web conduz ao crescimento da mediocridade”.
Salvaguardar a liberdade da informação é “seleccionar, organizar, hierarquizar a informação com critério deontológicos, separar o essencial do acessório e o verdadeiro do falso: para isso precisamos dos medias profissionais, os únicos capazes de espicaçar a opinião pública”.
Embora necessários, os medias e os jornalistas estão ameaçados pelo modelo económico de gratuidade do Web. Pinto Balsemão defende o reforço dos direitos de autor, a perseguição da pirataria na internet e a rentabilização das vendas de conteúdo para garantir a sobrevivência dos medias tradicionais. A batalha está longe de estar ganha mas venceremos”.
Como se chega destas contradições do presente à singularidade do futuro? Jogo de palavras, na realidade, com a “Singularity University”, um estabelecimento de ensino tecnológico fundado pela Google e pela Nasa que parece fascinar tanto Pinto Balsemão como Bill Gates. O seu objectivo é de formar os futuros dirigentes aos desafios da humanidade e às rápidas evoluções tecnológicas, nomeadamente ao conceito da “singularidade tecnológica”, conhecido de todos os amadores de ficção científica, que se refere ao momento em que as máquinas devem ultrapassar a civilização humana. Raymond Kurzweil, o informático americano grande profeta da singularidade, pensa que a inteligência artificial ultrapassará inteligência humana ainda neste século, precisamente em 2045. “Ele diz que a humanidade se dividirá então ente os have e os have not – o que têm uma super inteligência induzida pela fusão com as máquinas, e os outros. Levo isto a sério, porque as pessoas por detrás disto são sérias. E isto será mais importante do que a privacidade, o euro ou o papel da Europa. Desejo só que as pessoas nesta sala que chegarem a 2045 estejam do lado dos have. Porque os have not terão dificuldades para viver”.