É quinta-feira, 17 de junho, um dia antes do grande acontecimento. Nuno Gouveia, 34 anos, diretor financeiro de uma PME da área agroalimentar, está sentado debaixo de um dos vários “templos de fumo” espalhados por aquela imensa propriedade, de 33 hectares, na serra de Monchique. Veste uma T-shirt preta, que mistura símbolos matemáticos com os dos teclados do computador.
O seu discurso varia, com facilidade, entre conceitos científicos, ou protocientíficos, e os do misticismo. Sempre cheio de siglas: “Descobri a PNL [Programação Neurolinguística] há pouco tempo”, começa por dizer. “Graças a Deus que todos temos um SAR [Sistema de Ativação Retilíneo]. É um filtro mental fantástico.
Basicamente, se te focares nas palavras dos teus objetivos, consegues ‘reprogramar’ o cérebro, de forma a que eles se possam concretizar.” No pé, tem uma tatuagem de carateres japoneses que simbolizam o Rei e o Ki a Consciência Coletiva e a Energia Universal.
“Ando numa busca”, reconhece Nuno, que acaba de se despedir da empresa onde trabalha depois de esta ter mandado em- bora várias pessoas por causa da “crise”.
É ele quem nos fala, pela primeira vez, da AUM-Meditação Para a Autoconsciência, segundo a expressão inglesa Awareness Understanding Meditation uma técnica que, por acaso, replica a sigla de uma famosa seita. Mas falaremos disto mais à frente. A uns metros de distância, sentado numa mesa feita de árvores centenárias, está Atmananda, 32 anos, cabelo curto, preto polvilhado a branco, barbicha igual. Informático, trabalha numa companhia têxtil nacional, que representa várias marcas estrangeiras de grande consumo.
É um tipo bem posto e bem resolvido, que irradia simpatia. E é um profissional de sucesso. “Ganho bem [1 800 euros, mais telemóvel e carro] e na empresa nunca me recusaram nada pagaram-me cursos de formação, emprestaram-me dinheiro quando o pedi, não me posso queixar.” Atmananda aliás Hugo Palma parece ter tudo. Tarika, a sua namorada, uma bonita enfermeira portuguesa que trabalhou com a AMI, dir-me-á mais tarde que deixou de fazer “ajuda ao desenvolvimento” por duas razões: “Não acredito que possamos auxiliar outros povos impondo-lhes os nossos valores e não quero estar fora do País; estou a viver um grande amor…” Atmananda começou por baixo. “Trabalho desde os 16 anos e fiz de tudo andei nas obras, assei frangos, montei elevadores, fui técnico de palco. Até que entrei para a Regoujo, para uma das lojas, e um dia, depois de me chatear com um coordenador, perguntaram-me se aceitava um lugar na informática. Eu não sabia nada de informática, mas é como tudo: aprendese fazendo. E fui subindo.” Até agora, que se vai despedir. Nos seus projetos para os próximos dois anos estão a criação de um espaço, franchisado, de depilação a laser um negócio que, diz quem sabe, vai de vento em popa. E, depois, prepara-se para fazer, na companhia do skipper e recordista português Pedro Cotovio, uma viagem transatlântica em catamarã, que demorará cerca de um ano. Nem sempre foi assim.
Casado com apenas 25 anos, divorciar-seia três anos mais tarde, por vontade sua.
“Andava a enganar-me.” Nessa altura teve, “talvez”, uma depressão: “Acabou-se o amor para a vida. Será que ando aqui a iludir as pessoas?”, perguntava-se. “Eu não estava bem comigo. Será que não há mais nada? E agora?” Foi nessa altura que Atmananda conheceu Osho e a AUM.
SER ANTITUDO
É caso para dizer que se passa pelo Inferno (Barranco do Inferno), depois pelo Purgatório, até se chegar ao Paraíso. Dezassete quilómetros para lá de S. Teotónio, após a Zambujeira do Mar, apanha-se um troço de terra batida e começa-se a subir a serra.
À primeira encruzilhada, um quadrado amarelo com um pequeno símbolo roxo é a única indicação do caminho. Três quilómetros depois, já quase no topo do monte, o horizonte abre-se à nossa frente, a terra mareia-se por ali abaixo. À direita, um monte alentejano típico, restaurado, com filas de bandeirinhas tibetanas a saudar os visitantes. À esquerda, numa enorme clareira, veem-se vários yourts brancos, lá em cima uma gigantesca tenda, em forma de meia bola, pré-fabricada, verde-escuro o buddhadome e uma outra mais pequena, cor-de-rosa. Há um lago. No campo, passeiam-se pessoas vestidas com roupas hindus, homens com o cabelo apanhado atrás num carrapito, ornamentados com representações de Ganesha, Shiva, ou outras divindades, e há mulheres de sari.
Alguns, sobretudo os da velha guarda, têm um aspeto, como dizê-lo?, toxic-chic, mas sem o chique. Respira-se uma atmosfera de liberdade. Ouve-se falar alemão, inglês, hindu e neerlandês.
“Osho Festival Reception”, lê-se numa barraquinha montada ao lado da casa.
Bem-vindos ao primeiro festival de neosannyasins português. Nartan, uma alemã de 60 anos cujo nome significa dança, e Harida, um sorridente chileno, de 61, proprietários do monte, são quem nos recebe.
Viveram com Osho, um provocador guru indiano que advogava a liberdade sexual e a não repressão dos sentimentos, e que, a partir dos anos 1960, começou a reunir legiões de discípulos (sannyasas) ocidentais ao seu redor, em comunas autossuficientes.
Primeiro em Poona, depois na América. Os seus defensores dizem que ele conseguiu, como nenhum outro guru do movimento new age, fazer a ponte entre o Ocidente e o Oriente, ao mesmo tempo que desconstruía o estado de “escravatura mental” do mundo neste lado do hemisfério.
Osho, antes chamado Bhagwan Shree Rajneesh, ou Senhor Deus, Abençoado, Rajneesh, era hiperindividualista, hedonista e antissocialista “O socialismo só socializa a pobreza”, dizia.
Na verdade, talvez fosse mais fácil defini-lo por ser contra qualquer espécie de condicionamento ou regra. “Ele era antitudo”, confessa-me um adepto. Exemplos: João Paulo II? Como todos os líderes religiosos, andava a enganar as pessoas.
Madre Teresa de Calcutá? Uma fraude.
Ghandi? Um detestável socialista. Os políticos? É melhor nem falar. Harida e Nartam organizam o festival, que reúne cerca de 200 fiéis, metade dos quais, talvez, são portugueses. Obrigado a ceder a casa onde vivia na Holanda, perto de Amesterdão, ao Estado, que, a troco de uma boa indemnização, aí construiu uma autoestrada, o casal decidiu-se por Portugal, já lá vai uma década. Assim revigoraram o movimento de Osho, no nosso país. O pequeno monte, com cinco casas, é, de certa forma, o berço nacional deste culto. Culto? Aqui é preciso ter cuidado no vocabulário. “Todas as palavras têm um carimbo, uma carga”, avisa-me Harida, desconfiado. Ele e os sannyasins têm as suas razões para desconfiar de jornalistas.
Mas já se lá vai.
A festa abre, na sexta-feira ao fim da tarde, com um Kundalini, uma das meditações dinâmicas de Osho. A palavra, explicam-me Nartan e Harida, significa “energia corporeal”. Os nomes desta e de outras meditações ativas vêm do sânscrito, a linguagem religiosa do budismo e do hinduísmo. As meditações dinâmicas são necessárias, pois Osho dizia que os ocidentais eram incapazes de meditar da forma tradicional, porque tinham a cabeça demasiado cheia. [Esta não era a única distinção aparentemente racista de Osho: em certas meditações, mais sexuais, os indianos não se podiam misturar com os ocidentais.] Por isso, era preciso, primeiro, cansá-los.
Assim, o Kundalini abre com dezenas de rajneeshees a abanar o corpo na tenda grande (ou dome), uma espécie de aquecimento para a fase seguinte, a da dança, a que se seguirá a da meditação propriamente dita: em silêncio, “uno com o universo”, tentando não sentir nada, olhando para o “Eu” interior. No chão da dome, uma fotografia do mestre; no teto, um grande poster seu. Ao lado esquerdo, um palco está montado para os músicos, que adequam as melodias à meditação: ao ritmo do fogo, quando é para dançar freneticamente; da água, quando o momento é de recolha interior. À direita, uma enorme janela de plástico transparente deixa ver a serra, que desce lentamente até à planície.
Dança-se de forma selvática, animal, “pura”, sobretudo as mulheres. Ouvem-se gritos que parecem vir do mais profundo do seu ser.
Todo o festival é um monumento à liberdade conceptual, todo ele expressa essa “libertação” da “escravatura” cartesiana ocidental: há massagens ayurvédicas, sessões de reiki e de reflexologia. Nas domes mais pequenas poderão fazer-se “constelações familiares”, espécie de role play terapêutico, em que se tenta afastar as energias más de dentro da família, segundo os métodos usados por Bert Hellinger, um polémico psiquiatra alemão que defende que o incesto e outros abusos sexuais não devem ser punidos. Pode encomendar-se uma leitura da alma ou uma consulta de “aura soma” uma “ciência” que mistura aromoterapia e cromoterapia.
Nas paredes do monte estão penduradas dezenas de mandalas, arte terapêutica indiana. Fala-se de firewalking, da ligação entre Osho e rituais xamânicos, como a “cabana do suor”, uma sauna sagrada de purificação, e do Ayahuasca. “A ligação entre Osho e o xamanismo é que ambos entendem que tudo é vivo e tudo tem uma alma”, explica-me Hugo “Atmananda” Palma, contando-me a sua própria experiência após a toma desta planta ritual, com DMT (presente no LSD). “Sou surfista e já desafiei muitos mares de meter respeito.
Mas medo, medo senti da primeira vez que tomei: primeiro purguei-me [vomitei-me] todo. Depois, estive horas com a presença de um ser enorme, mau, por cima de mim, que, de cada vez que eu dizia ‘Está tudo bem’, ele mostrava-me a minha fraqueza e dizia: ‘Não está não.’ Foi horrível.
Mas quando a coisa começa a descer e o xamã chama os ícaros da planta… Wow! Que clareza, que awareness [autoconsciência].
Que sensação.” Mais tarde, Mónica F., uma bonita ex-controler financeira e designer gráfica, leu-me a aura descobri que tenho uma energia feminina muito forte, uma presença maligna, e que devia era ser músico e convidou-me, desinteressadamente, para uma destas sessões xamânicas. Custam 90 euros e são semiclandestinas para não dizer ilegais. Mas fazem furor entre os adeptos de Osho.
“Queres vir?”, sorriu-me.
A CIDADE DO HOMEM NOVO
Todo o buddahafield o campo das energias positivas que ajudam a fazer florescer o Buda dentro de cada um de nós, no caso a própria herdade do Pomar da Serra é ecológico, das casas de banho, onde se usa serradura, à eletricidade, toda ela de fontes limpas. No lago, criado artificialmente para abastecer esta e outras propriedades mais abaixo, na serra, pode tomar-se banho e toda a gente faz nudismo. A versão new age do paraíso, portanto.
Mas quem são, afinal, os neo-sannyasins? Quando Richard, um canadiano de Toronto, filho de um médico austero, se juntou aos sannyasas, em 1978, os colegas de curso tinha acabado de fazer um bacharelato em Artes telefonavam-lhe para o Asrham (comunidade), na Índia: “Enlouqueceste? O que estás a fazer com esses lunáticos?!” Hoje, Richard é milionário, graças ao ofício que aprendeu em Poona: arquitetura paisagística. Investiu em condomínios imobiliários no Hawai, e vive dos rendimentos.
Ele e a namorada uma rapariga de ar de Leste, de olhos azuis e vinte e poucos anos voaram para Portugal vindos de um outro lado do Atlântico, de uma “comunidade Osho” na América Latina.
O pai, conservador, achava que o destino de um homem era formarse, casar e ter filhos três, de preferência.
“Fiz o curso para lhe agradar”, diz Richard, aliás Shivraj, o “rei dos reis”, que usa óculos de surfista a taparem-lhe os olhos azuis e um lenço vermelho por cima dos longos cabelos brancos. “Chegou a pensar em raptar-me. Ligou para as organizações católicas em Poona, que lhe disseram que, se fosse preciso, o assunto podia ser ‘tratado’: uns gorilas apanhavam-me e a Igreja punha–me num programa de ‘desintoxicação’ e ‘reintegração’ social. Nessa altura tínhamos muito má imprensa. O Osho era conhecido como o ‘guru do sexo’.” Pior: os rajneeshitas eram comparados à famosa seita de Jim Jones, que, nesse preciso ano de 1978, tinha cometido suicídio em massa (cerca de 900 mortes). “Quando Osho resolveu ir para os EUA, vi logo que não ia funcionar”, conta Richard. “Os americanos são demasiado beligerantes e nunca permitiriam uma comunidade tão livre, muitos menos no Oregon, o Estado mais redneck do país. E lá nos tramaram.” Não é bem isto que dizem os livros de História. Veja-se, por exemplo, este trecho da obra Micróbios, as Armas Biológicas e a Guerra Secreta da América, de William Broad, Stephen Engelbert e Judith Miller, jornalistas do New York Times: “Em 1981, os seguidores de Bhagwan Shree Rajneesh [ou Osho] haviam pago 5,75 milhões de dólares por um remoto rancho de 64 mil hectares em Wasco, a duas horas de carro de The Dalles, a sede do condado.
O plano era construir um ‘campo de Buda’, uma comunidade agrícola onde pudessem celebrar o credo de beleza, amor e sexo inocente do seu mestre iluminado. Os detratores diziam que fora o sexo, e não a meditação, que atraíra milhares de seguidores, muitos dos quais ocidentais abastados, primeiro a Poona, na Índia, a origem da comunidade, e depois ao Oregon. O grupo saíra de Poona debaixo de uma crescente pressão política, suscitada por relatórios onde se afirmava que o dinheiro dos seus dirigentes não provinha apenas dos respetivos seguidores, mas também do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas, acusações que a seita negava. Mas o guru, um indiano calvo e barbudo com o sorriso permanente típico dos charlatães religiosos, pregava que era uma bênção ser rico. Tinha uma coleção de relógios cravejados de diamantes e 90 Rolls Royce [precisando: eram 93].” Osho pretendia criar ali um “Homem Novo”, imbuído de uma renovada “consciência universal”. Soa familiar? Bhagwan terá mesmo dito que o único erro de Hitler foi começar uma guerra em duas frentes…
O 1.º ATAQUE BIOTERRORISTA AOS EUA
Havia, ainda, rumores escreveu Frances Fitzgerald na New Yorker, em Setembro de 1986 de que muitos sannyasins pagavam a sua estada no Asrham recorrendo à prostituição e que o guru tinha conhecimento disso. Chegados a Wasco, os sannyasins começaram a erguer, num local “árido, onde não havia nada”, toda uma cidade, em que não faltava um hotel, um aeroporto para frota de aviões (um DC3, um jato Mitsubishi e três aeronaves), um restaurante, e dezenas de casas amovíveis, uma das quais com piscina e reservada para o mestre. Os vídeos iniciais de divulgação do grupo, onde se veriam os seus membros em orgias, e o desdém com que tratavam os locais não ajudaram à fama da seita. As metralhadoras Uzi, montadas no topo de jipes, também não. Rapidamente, a guerra estalou entre o “povo laranja” (alusão à cor das suas vestes) e os rednecks.
Em 1984, os neo-sannyasins tentaram ganhar eleitoralmente The Dalles, como tinham feito em Antelope, uma pequena localidade com escassas dezenas de cowboys.
Mas não ia ser fácil: The Dalles tinha uma população de 2 mil almas e muitos dos rajneeshitas não possuíam naturalidade americana. O município não dava, praticamente, autorizações de construção e o sonho arriscava-se a cair por terra.
Foi então que, no sofisticado laboratório médico de Wasco, a seita cultivou uma espécie particularmente patogénica de salmonela, comprada a uma empresa de bioengenharia. Espalhou-a, depois, pelos dez restaurantes de The Dalles, no que ficou conhecido como o primeiro ataque bioterrorista da história norte-americana.
E era apenas um ensaio geral para o dia das eleições, daí a três ou quatro semanas.
A ideia era hospitalizar matando, se necessário boa parte da população, no dia do voto. Osho, que há anos se autoimpusera ao silêncio, veio a público denunciar o seu círculo mais íntimo de colaboradores como “fascistas”. Entre outras coisas, estava montado no rancho o “maior e mais sofisticado sistema ilegal de escutas jamais descoberto na América” ficando provado, em tribunal, que, além do envenenamento em massa, os rajneeshitas ti- nham tentado assassinar funcionários do Governo americano.
Colaboradores do guru foram presos e o próprio Osho foi apanhado num avião, a tentar fugir, com 500 mil dólares em dinheiro, acompanhado de várias mulheres e outros tantos seguranças, e uma série de relógios Rolex com diamantes. Foi preso, mas os seus advogados conseguiram um acordo com as autoridades judiciais norte-americanas. Ele declarava-se culpado de ter mentido aos Serviços de Emigração e Fronteiras e não voltaria aos EUA. Morreria uns anos depois, já na Índia. Ainda hoje os seus adeptos estão convencidos de que foi assassinado. “Os americanos mataram-no através do envenenamento, com um isótopo radioativo”, diz-me Shivari, uma especialista de yoga.
SINAIS DE ADORAÇÃO
Ali, na herdade do Pomar da Serra, o passado parece muito distante. Afinal, o movimento tem vindo a reganhar alguma aceitação nos últimos anos. [Ouvi falar nele pela primeira vez há pouco menos de dois anos, através de uma amiga bem colocada em Bruxelas, que me descreveu as suas incursões junto dos neo-sannyasins: “Gente bonita, com dinheiro e disposta tanto a sexo como a meditação.”] A Osho International Foundation é um portento económico, com sede na Suíça, e os métodos de meditação dinâmica têm vindo a ganhar aceitação como terapias antistresse, sendo usadas por empresas multinacionais com nomes acima de qualquer suspeita. E, devo confessar, senti-me particularmente bem recebido entre os rajneeshitas de Portugal.
“Quem quer que fale de ecologia e se esqueça de Rajneeshpuram é cego”, diz-me, em Monchique, o italiano Peppe, junto com uma indiana, que esteve nessa comunidade e que pagou “500 dólares por uma estada em que trabalhava 12, 14 e mais horas por dia”. Trabalho “como meditação”, chamava-se. “Mas eu andava feliz e, ainda hoje, se não fosse o Osho, a minha vida era uma merda. Agradeço ao mestre ter-me mostrado o caminho. Há para aí uns sábios que dizem que ele nos hipnotizava. Pois sim. Mas não nos hipnotizava nos olhos, hipnotizava-nos no coração.” As meditações têm momentos de extrema beleza. No sábado, na meditação O Caminho dos Sufis, os homens fizeram um círculo à volta das mulheres e cantavam-lhes, enquanto juntavam os braços em cruz, em sinal de agradecimento. Elas, por sua vez, dançavam em dois círculos distintos, dentro do círculo maior. Ouviam-se cânticos fortes, tribais, um pouco a fazer lembrar as encenações dos templos nos filmes de Indiana Jones. E os sannyasins são hoje extremamente cuidadosos nunca se referem ao seu culto como uma religião. Mas os sinais de adoração a Osho mantêm-se: a cerimónia de “batismo” ainda é chamada de “renascimento”. Outras, como a “White Robe”, onde é suposto os participantes aparecerem todos de branco, para assistirem a um vídeo com um discurso de Osho, parecem ter um caráter semirreligioso. Quando pergunto ao chileno Harida se o mestre era um amigo ou um profeta, ele responde: “É difícil, ele tinha uma presença… Era um amigo divino.
Uma não-pessoa, uma não-entidade.” Richard, Harida e os outros nunca dizem que Osho morreu. Usam sempre a expressão “quando ele abandonou o corpo”.
A que se junta a profusão de fotografias.
Nenhuma atividade tem lugar sem que haja uma representação dele em cena.
Nem na música é esquecido. Também o sexo parece continuar a ter um papel bastante importante na filosofia dos neosannyasins: na Osho Humanversity, um retiro/universidade de desenvolvimento pessoal na Holanda, conta-me Atmananda, ainda se pratica a chamada terapia do lençol: “Uma data de tipos nus fechados dentro de um enorme pano branco, o que é que vão fazer? Ninguém é obrigado a nada, mas é claro que 90% fode!” Aliás, em todos os “centros Osho” do mundo é obrigatório fazer-se, à entrada, um teste à sida.
E uma ronda pelas várias conferências e iniciativas da Osho International pelo globo facilmente mostrará a importância que o sexo tem para o movimento. “O Osho”, continua Atmananda, quase irritado, “não punha nada em quadrados: ‘Tens um problema com o sexo? Pratica-o!'”
A DANÇA DOS AMANTES
E chega o momento em que o gigantesco buddhadome fica completamente fechado.
Os tambores, as guitarras e os sintetizadores jazem abandonados pelo chão.
Osho, esse, permanece no seu lugar, bem lá em cima, no teto da enorme cúpula.
É segunda-feira, 21, e são 7 horas da manhã.
A escolha do dia e do horário não parece ter sido feita por acaso: já só os sannyasins mais crentes ainda estão na herdade. A mais complexa das meditações de Osho e, seguramente, uma das mais polémicas está prestes a começar.
Os outros, os que lá estavam só para se divertirem naquele festival alucinante, já partiram. Atmananda tinha-me avisado: “Só há uma forma de veres a AUM é participares.” O fotojornalista que me acompanha decide ficar cá fora, e o fecho de correr da dome é puxado até acima.
Geetesh, um mestre brasileiro da escola Namasté-Osho, vai explicando o que se vai passar: a ideia é, através de 12 estágios e em três horas, aprendermos a controlar as nossas emoções. Por isso mesmo, esta é a única “meditação de interação social”.
Mas, confesso, nada me tinha preparado para o que aí vinha. O primeiro estágio é o da raiva e é suposto escolhermos alguém e descarregarmos todo o nosso ódio, através dessa pessoa-canal. A visão pode ser assustadora, como se, de repente, entrássemos num hospital cheio de esquizofrénicos violentos. “Detesto-te, és uma merda, meu F.d.P.”, ruge-me um dos participantes, com um ar tão ameaçador que cheguei a temer que a regra da ausência de contacto físico não fosse respeitada. [No passado, as terapias da raiva não tinham limites e acabavam muitas vezes em braços e cabeças partidos.] Esta parte da meditação é um risco pelo menos sempre que há “iniciados”, o meu caso, que “nunca se sabe como vão reagir”. Seguem-se os estágios do céu, em que se diz “Eu amote” a toda a gente, do perdão, em que se pede desculpa, do choro, da loucura. Ao nono estágio “a dança dos amantes”, é distribuída uma venda a todos. A ideia é passarmos os próximos 20 minutos numa simulação orgíaca: agarramos um corpo, qualquer corpo, homem ou mulher, desde que ambos se sintam confortáveis, e dá-se um contacto semelhante ao que têm os amantes, antes do início do sexo.
Confesso que nesta parte quando me vi agarrado entre um homem e uma mulher não consegui deixar de pensar: “Mas que raio estou eu a fazer aqui?”
P.S.: por favor, não contem isto à minha mãe.