Foi na véspera, sexta-feira, que a provedora da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, Sara Oliveira, recebeu um telefonema de Marcelo Rebelo de Sousa. Mas a comunicação social só pouco mais de três horas antes tomou conhecimento de que o recandidato a Belém escolhera o Barreiro para a sua segunda ação de campanha (numa semana). Não foi por acaso que Marcelo escolheu a instituição: há cinco anos, foi ali que uma das utentes de um dos três lares da Misericórdia, D. Maria da Glória Mendonça, então com 90 anos, vaticinou que não haveria segunda volta. O então candidato prometeu que ali voltaria, depois de ganhar. Cumpriu. E voltou a prometer, este sábado: “Aqui voltarei, como Presidente ou como não Presidente”. Compreende-se: o local é um talismã político para Marcelo Rebelo de Sousa.
Desta vez, os contactos com os idosos ficaram numa espécie de interdito. A conversa foi com os funcionários de um local, para já, livre de surtos e que iniciará em breve (só agora!) o processo de vacinação. O Barreiro também ficou célebre, na campanha de há cinco anos – e, depois disso, durante o mandato presidencial… – pela ginjinha provada na Tasca da Galega. A última vez foi a 23 de dezembro, imediatamente antes do Natal. Talvez por isso, entre os cinco populares que deram pela presença de Marcelo nas instalações da Santa Casa – e que o espreitavam de detrás do gradeamento do parque de estacionamento – um surgiu que lhe fez uma espera, à saída, com uma garrafinha caseira, sem rótulo. O Presidente-candidato afrouxou a marcha (já estava de saída, ao volante do seu próprio carro – e guardou a oferta. “Não é uma garrafa de ginlja, mas é o bom abafado do Cardal, esclareceu à VISÃO o intrépido apoiante, protegido pela sua máscara, com o símbolo do Sport Lisboa e Benfica.
Sim, Marcelo chega sozinho, a conduzir o carro, um Mercedes Classe A de 2015. É recebido pela anfitriã, Sara Oliveira, que esteve infetada pela Covid-19, em final de 2020, e recuperou, e por um grupo de técnicos e outros quadros da Santa Casa do Barreiro – uma grande instituição que tem a cargo, entre vários outros serviços, creche, três lares e uma unidade de serviços continuados. O Presidente, agora vestido de candidato, cobiça, desde logo, as máscaras usadas pelo pessoal. “Essas protegem muito mais, deixem-me ir ali ao carro, devo ter lá uma…”. Não foi preciso: logo alguém lhe forneceu uma mascara do tipo FP2 que, alegadamente, garante dupla proteção, na emissão e na receção de partículas. Escusado será dizer que o candidato reserva para as funções em que se apresenta como Presidente a típica máscara verde da Presidência, com o logotipo das armas nacionais… Quem estivesse atento, terá reparado que, já no debate a sete, na RTP, quando se suspeitava de que poderia estar infetado, o PR cumpriu a mesma regra: por ter junto a si uma equipa da RTP, Marcelo entrou em formato de vídeoconferência, protegido por uma vulgar máscara hospitalar.
Como diriam os Xutos & Pontapés, os portugueses é que sabem se, a meio da pandemia, querem trocar o ‘homem do leme’
Se isto era uma ação de campanha, notou-se pouco: não havia povo para se banhar, cidadãos para abraçar – ou, dadas as circunstâncias, acotovelar… – , comitiva para acompanhar, caravana para apoiar, bandeirinhas para abrilhantar ou staff para assessorar. Marcelo é um homem só, ele e a sua circunstância. O candidato manteve, longe dos olhares dos jornalistas, durante uma hora, uma conversa com o pessoal da instituição e, depois, as suas declarações confundiram-se com as de Chefe de Estado: totalmente ausente de qualquer motivo de campanha, a mensagem foi a de convencer os portugueses a levarem o confinamanto a sério. Plano de vacinação – sim, é demorado e lento -, medidas e restrições – sim, são necessárias -, Estado de emergência – sim, será tanto mais longo quanto mais suave for o confinamento, são declarações que não distinguem o candidato do Presidente. Para a semana, sim, entre o Porto e Celorico de Basto, terra da avó Joaquina, poderemos ver um candidato mais assumido. Sempre, claro, ao volante da sua própria viatura e sem staff de Belém por perto.
Só por uma vez, e por insistência dos repórteres, Marcelo, muito a contragosto, deixa cair um pequeno recado propagandístico: que mudar de Presidente a meio de uma pandemia talvez não seja boa ideia, até porque o conhecimento adquirido lhe dá uma vantagem sobre a concorrência. Mas, mesmo assim, ressalva que tudo depende da avaliação que os portugueses fizerem da sua atuação, neste período crítico. E cita os Xutos: “Serei, citando os Xutos e Pontapés, o ‘homem do leme’. O Tim também era da Margem Sul – mas António Costa é que é o primeiro-ministro…
No final, numa troca de impressões com o repórter da VISÃO – “você ainda tem tempo para vir a estas coisas, meu jovem!”, diz-me o Presidente, a mim, que tenho apenas menos 15 anos do que ele… – acaba por contar velhas histórias do tempo da outra senhora, quando visitava, na zona do Barreiro, António Reis, que foi fundador do PS, e este vivia com uma rapariga “muito mais à esquerda”. Havia relatórios da PIDE sobre os movimentos dele, “e o meu nome deve lá estar, por causa dessas visitas…”
“Sei muito bem”, digo eu. “O António Reis é que levou o Guterres para o PS”.
“Sim, ele é que foi o culpado”, terá pensado o Presidente. Mas vá lá, conteve-se.