No debate mais interessante até ao momento, houve discussão política e duas direitas em confronto. O novato Tiago Mayan Gonçalves, candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, mostrou, na SIC, que é possível ser de direita e não ser do Chega, coisa que Rui Rio e o PSD têm dificuldades em demonstrar.
Numa lição de estratégia, firmeza e serenidade, o candidato estreante nestas andanças mostrou aos mais batidos como lidar com o agressivo líder do Chega. Sem conseguir ganhar o debate, conseguiu, pelo menos, equilibrá-lo e, sobretudo, enervar André Ventura que, à falta de melhores argumentos, acusou o adversário, mais de dez vezes, de ser “de esquerda” – coisa em que nenhum espetador terá acreditado. A irritação de Ventura crescia à medida que, ao interromper Mayan, este se calava e retomava no mesmo ponto em que tinha sido interrompido, sem reagir diretamente.
Os ciganos, a noção de liberdade, o RSI, a pandemia e as funções presidenciais – e a postura que os candidatos a tais funções devem ter – dominaram a temática geral. Sem chavões ideológicos nem nunca usar a palavra populismo, Tiago Mayan foi claro e esclarecedor. André Ventura repetiu a mesma fórmula de sempre, evocando os “tempos das cassetes”, mas a sua principal tentativa foi a de levar o debate para o campeonato de se apurar quem é mais de direita, competição que Mayan ignorou. As propostas de ambos são transparentes – e diferentes como água e vinho. Vejamos os momentos e as frases mais quentes.
Ciganos e imigrantes
Tiago Mayan Gonçalves:
“André Ventura já afirmou que não quer ser o Presidente de todos os portugueses. Mandou uma deputada para a terra dela e defendeu o confinamento de uma etnia”
“Os imigrantes fazem o trabalho que muitos portugueses não querem fazer. Levam-nos a comida a casa, em tempo de epidemia, trabalham nos serviços de saúde…”
“André Ventura é um troca-tintas, porque muda constantemente de posição. E mudou três vezes na votação do Orçamento, quando se discutiram as transferências para o Novo Banco”
André Ventura:
“Fico estupefacto! Isto não é ser de direita, chame-se antes esquerda liberal!”
“Isto é ser um travesti de direita!”
“Não vou ser o Presidente de todos os portugueses, não vou ser o Presidente dos que não trabalham!”
Tiago Mayan:
“Para o Chega, eu sou de esquerda. Para o Bloco de Esquerda, sou um fascista…”
Contexto – Por sorteio, calhou a Tiago Mayan Gonçalves abrir o debate e foi instado pela moderadora, Clara de Sousa, a reiterar afirmações anteriores, em que acusava André Ventura de ser, entre outras coisas, um troca-tintas. Aproveitou e entrou a matar, surpreendendo, claramente, o adversário, tentando ganhar uma vantagem – e uma primeira impressão. Durante algum tempo, o debate ficou refém da temática dos ciganos e do RSI, tendo Mayan referido que deste subsídio apenas 4% das verbas são destinadas aos ciganos, e Ventura replicado que 80% deles vivem, precisamente, do RSI. Ao longo do debate, Ventura sustentou que defender as minorias étnicas não é ser de direita, colocando este tema no plano ideológico, o que foi sistematicamente ignorado pelo adversário, que preferiu situar a direita no campo do liberalismo económico, rebatendo os argumentos de Ventura, tendo o cuidado de nunca pronunciar as palavras “xenofobia” ou “populismo”.
Futebol: ser ou não ser
Tiago Mayan:
“O que devia preocupar André Ventura é o calote que Luís Flipe Vieira deixou no Novo Banco…”
André Ventura:
“Deixe lá o Benfica! Não interessa discutir aqui o Benfica, ou o Porto…”
Tiago Mayan:
“Não se trata do Benfica. Trata-se de um calote ao Novo Banco”.
Contexto – O candidato liberal referia-se às alegadas dívidas bancárias de uma empresa do presidente do Benfica a uma instituição bancária que tem sobrevivido à custa das injeções de capital do Estado no Fundo de Resolução. André Ventura sabe, porém, que o seu adversário é originário da cidade do Porto… Talvez por tudo isto, que podia embaraçar os dois, a discussão parou por aqui. E, embora, de facto, o tema nada tenha a ver com o Benfica, Mayan não insistiu.
Funções presidenciais
André Ventura:
“Diga que é de esquerda! Nem parece que estou a discutir com a Iniciativa liberal…”
Tiago Mayan:
“Pois não está. Está a discutir com um candidato presidencial.”
Contexto – Puxado por André Ventura, o debate resvalou para a atividade parlamentar do Chega e da Iniciativa Liberal, onde Ventura se sente mais à vontade, por a conhecer por dentro, e os candidatos acusaram-se mutuamente de um partido alinhar contra o outro ao lado dos “partidos do sistema”. Mas Tiago Mayan resistiu, tentando recolocar o debate no plano das propostas como candidatos a Belém. Não foi muito bem sucedido.
Quem quer casar com a TAP?
Tiago Mayan:
” André Ventura quer ser acionista da TAP. Eu não quero”
André Ventura:
“A TAP é uma empresa estratégica importante. Não deve cair.”
Tiago Mayan:
“Ficou muito claro: para André Ventura, é preferível cortar 15 milhões de RSI para os ciganos a cortar 4 mil milhões para a TAP…”
Contexto – O Chega tem sido cauteloso relativamente ao plano de recuperação da companhia, que tem muitos milhares de trabalhadores – e de eleitores… – dois mil dos quais deverão ser despedidos. Ventura defende um plano de reestruturação fiscalizado pelo Parlamento e por entidades independentes, mas tem defendido os postos de trabalho. A IL assume a sua vocação liberal e acha que as regras devem ser as mesmas que se aplicam às empresas privadas.
Pandemia: que posição dará mais votos?
Tiago Mayan:
“Os estados de emergência são um cheque em branco que o Presidente da República dá ao Governo”
“As restrições devem ser cirúrgicas”
André Ventura:
“Estas restrições sâo absurdas, mas é evidente que precisamos de restrições, desde que sejam racionais e não afetem a economia”
“Passámos a votar contra o estado de emergência quando isso permitiu libertar os presos”
Contexto – A IL absteve-se no primeiro estado de emergência, mas, depois, passou a votar contra. O Chega tenta a quadratura do círculo, para não aparecer como um partido sanitariamente irresponsável, nem insensível do ponto de vista económico. Neste campo, também se notou a preocupação de Ventura em alargar o campo de recrutamento eleitoral e a de Tiago Mayan em remar contra a maré. Ventura terá sido mais eficaz, Mayan menos claro.
O debate de amanhã e o governo de depois de amanhã
André Ventura:
“No dia em que sair da liderança do Chega, devo deixar afirmado um dos principais partidos portugueses. Já devemos ser hoje a terceira força política em Portugal”
“Tenho dificuldade em dormir, à espera do debate de amanhã, com Marcelo Rebelo de Sousa…”
Tiago Mayan:
“O André é um político do sistema, já anda a querer negociar com o PSD cargos futuros…”
André Ventura:
“A IL não vai apoiar um governo que integre o Chega?!”
Contexto – O acordo à direita, negociado nos Açores, e em que o PSD assinou um compromisso com o Chega, mas também conta com o apoio parlamentar da IL, foi um dos últimos temas do debate: a IL aceita a transposição do acordo para o plano nacional? Tiago Mayan foi evasivo e, apertado por Ventura, replicou, então, que este já anda a pensar em cargos futuros. Uma escapatória possível – e um contra-ataque certeiro… – num assunto tão delicado.