Bloco de Esquerda e PAN há muito que colocaram no topo das respetivas agendas políticas as preocupações com as alterações climáticas. Era expectável, por isso, que o debate entre Catarina Martins e Inês Sousa Real, realizado ao final da tarde desta segunda-feira, na RTP 3, decorresse com alargados pontos de convergência entre os partidos. E, de facto, assim foi.
O debate em torno das origens da atual crise política – ou seja, o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 pelo Parlamento (e que antecipou no calendário as Legislativas para 30 janeiro) – acabaria, porém, por marcar o ritmo do frente a frente. Inês Sousa Real insistiu em apontar o dedo à decisão do BE de ter votado contra o documento apresentado pelo Governo, classificando-a como uma “irresponsabilidade” que permitiu “abrir as portas” à extrema-direita. Catarina Martins voltou a atirar culpas para o PS e António Costa pelo desfecho do dossiê, e deu resposta na mesma moeda: criticando a possibilidade do PAN de servir para “dar a mão” para a formação de um Governo liderado pelo PSD e Rui Rio, após a idas às urnas. “Queremos clareza”, exigiu a coordenadora do BE.
O “ponto forte” de divergência não chegou, no entanto, para quebrar as pontes. BE e PAN veem-se a trabalhar juntos no futuro, mesmo que questões como o IRC separem os partidos – Catarina Martins aposta em taxar mais os lucros, enquanto Inês Sousa Real pede a descida do imposto. Ou mesmo a aplicação de taxas de carbono à indústria pecuária – que, neste caso, Inês Sousa Real defende, mas a que Catarina Martins torce o nariz.
A estratégia de cada candidato ficou, aliás, bem visível ao longo dos 25 minutos que durou o debate – Catarina Martins cedeu terreno a entendimentos, “esquecendo”, por momentos, as matérias desavindas (e procurando não deixar o PAN “fugir” do espectro político da esquerda; Inês Sousa Real, por sua vez, adotou um registo mais cauteloso: insistindo no papel (negativo) que BE teve na crise política, para então, quem sabe, colher o voto de eleitores próximos da esfera do BE, que partilham preocupações ambientais.
No final, Catarina Martins e Inês Sousa Real souberam aproveitar a oportunidade para mostrar a posição de cada partido em relação a diversas matérias, naquele que foi um dos frente a frente desta pré-campanha onde mais pontos de programas eleitorais foram discutidos e esclarecidos.
(Ainda) O chumbo do OE
A porta-voz do PAN não poupou nas palavras para atacar o BE pela crise política. Inês Sousa Real foi longe, considerando o chumbo do orçamento pelos bloquistas uma “irresponsabilidade” que “abre a porta” à extrema-direita. Catarina Martins não se ficou. Atribuiu culpas ao PS e, perante as acusações, interrompeu o tom amigável que lhe marcou a estratégia (durante quase todo o debate), e exigiu “clareza” ao outro lado da mesa. Vai o PAN “dar a mão” ao PSD para a formação de um eventual Governo de direita?, questionou.
INÊS SOUSA REAL
“Quando todos dissemos aos portugueses que tinham de ficar em casa, atirar a toalha para o chão e não dar oportunidade de [o Orçamento] chegar à especialidade é faltar ao país. É abrir a porta à extrema direita e à direita liberal em relação a temas fundamentais”
“O PAN é um partido progressista, não se confunda isso com o facto de estarmos a dizer que vamos viabilizar todo e qualquer Governo. Existem linhas-vermelhas”.
“O PAN não disse em momento algum que estaria disponível para apoiar agendas que vão contra o que são os seus valores e ideário (…) “[ou] em matérias contra os seus princípios”.
CATARINA MARTINS
“O orçamento não apresentava soluções para uma crise. O PS quis forçar a maioria absoluta (…) todo o país já percebeu”.
“[O PAN] abre a possibilidade de apoiar um Governo de direita, quando sabe que o PSD de Rui Rio deu a mão ao Chega para fazer um acordo de Governo nos Açores”.
“Podemos trabalhar juntos, mas é preciso clareza”.
“Esquerda negacionista”
Tal como ontem, no debate contra Rui Tavares, Inês Sousa Real voltou a pegar no tema da taxa de carbono na indústria da pecuária – uma proposta que o BE não partilha. A porta-voz do PAN considera a matéria fundamental para a vitoria no combate contra as alterações climáticas, mas Catarina Martins considera que a taxa proposta pelo PAN é injusta, pois não distingue pequenos e grandes produtores.
INÊS SOUSA REAL
“O BE já votou duas vezes contra a proposta da taxa ambiental contra o carbono [na indústria da pecuária] que o PAN apresentou em sede do orçamento do estado (…) defendemos taxar as atividades poluentes e aliviar as famílias”.
“A pecuária é a área de produção “que maior dano faz em matéria de alterações climáticas”.
“O PRR deveria estar a servir para incentivar à conversão destas atividades, mas, infelizmente o Governo foi muito pouco ambicioso em matérias como o combate às alterações climáticas (…) Se não fizermos esta conversão não fazemos conseguir combater as alterações climáticas”.
CATARINA MARTINS
“O PAN não fazia uma distinção com quem faz uma pecuária intensiva e outras”.
“É urgente acabar com benefícios fiscais para atividades poluentes, mas o foco não podem ser apenas taxas e benefícios fiscais porque o mercado não vai garantir nada na transição climática. São precisas políticas públicas”.
SMN e impostos: sobe e desce
BE e PAN não se encontram do mesmo lado quanto ao IRC. Catarina Martins quer taxar mais os lucros das empresas. Já o PAN, não. Por outro lado, Inês Sousa Real apontou para um salário mínimo nacional (SMN) de 905 euros, até ao final da próxima legislatura (em 2026) – Catarina Martins não deixou passar a (boa) deixa, e voltou a afastar o PAN dos partidos da direita.
INÊS SOUSA REAL
“O PAN quer o salário mínimo em 905 euros até 2026”.
“As prioridades para o País e para as pessoas passam por rever os escalões do IRS, descer o IRC e combater a precariedade”.
CATARINA MARTINS
“É preciso aliviar a população que trabalha e que paga a taxa de luxo do IVA da energia e o IRS (…) O pagamento de impostos é muito desequilibrado em Portugal.
“O BE quer taxar mais as atividades especulativas e criminalizar as transferências offshore”.
“Baixar o IRC não é uma prioridade para o BE (…) queremos acabar com benefícios fiscais para as empresas poluentes”.
“Dizer que quer subir o salário mínimo e aceitar um Governo que o quer congelar é impossível. É por isso que é preciso clareza”.
RBI: “ilusão”?
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) foi, provavelmente, o tema que mais distanciou os partidos ao longo do debate. A coordenadora do BE aproveitou a ocasião para classificar a proposta do PAN (e também do Livre de Rui Tavares) como “uma ilusão”, chegando mesmo a questionar Inês Sousa Real se “pedia desculpa” por a colocar em cima da mesa. A líder do PAN sublinhou, por outro lado, que acredita na proposta.
INÊS SOUSA REAL
“[O PAN] Não pede desculpa [pelo RBI]”.
“Esta proposta e este apoio pode ser essencial para vítimas de violência doméstica ou quem quer estudar”.
CATARINA MARTINS
“Há um problema quando temos uma ficção em que tanto faz a esquerda ou a direita para combater a emergência climática”.
“Não podemos prometer laranjas e oferecer limões às pessoas”.
“A proposta do rendimento básico custaria 104 mil milhões de euros, um Orçamento inteiro (…) Como é que o Estado a vai garantir?”
Ponte entre margens
A terminar o debate, Catarina Martins recuperou o tom que, muitas vezes, lhe “fugiu”, face às palavras (mais) incisivas de Inês Sousa Real. A líder do BE fechou como começou: concentrando esforços para “puxar” o PAN para a esquerda. Todavia, Inês Sousa Real ficou onde estava: apelou ao voto no seu partido, mas não fechou a porta a acordos amplos que respeitem as “causas” do PAN. E, para já, só o Chega sabe que não será convidado para a mesa das negociações.
INÊS SOUSA REAL
“O PAN não disse em momento algum que estaria disponível para apoiar agendas que vão contra o que são os seus valores e ideário”.
“PS e PSD não podem continuar a ser a única solução para o país, precisamos de soluções inovadores”.
“Voto útil não é votar na maioria absoluta. PS e PSD não podem continuar a ser a única solução para o país”.
CATARINA MARTINS
“Acha mesmo que com a direita alguma vez poderá ter um caminho ambiental?”
“Dizer que quer subir o salário mínimo e aceitar um Governo que o quer congelar é impossível. É por isso que é preciso clareza”.
“Os dois partidos [BE e PAN] podem “trabalhar juntos”.