A notícia do debate é a de que André Ventura decidiu vacinar-se. Costa diz que não quer moderar Ventura (“comigo, não passa”), Ventura contra-ataca com a “escola Pedro Guerra”: uma bateria de recortes. Num combate muito tenso, a fazer lembrar aquele que opôs o mesmo André Ventura a Marcelo Rebelo de Sousa, nas presidenciais de há um ano, António Costa teve de puxar de toda a sua experiência da retórica parlamentar, incluindo o recurso à ironia, para conseguir colocar André Ventura à defesa em largos períodos da discussão. Ao atacar com a questão da vacinação e confrontando diretamente Ventura com a sua opção pessoal, Costa, pela primeira vez, obrigou o deputado do Chega a definir-se: “Sim, quero ser vacinado!” – e, com isso, instalou uma nota de desapontamento entre a franja do “eleitorado negacionista” com que Ventura contaria. No tema da corrupção, Costa foi imprudente: todos os telhados de vidro socialistas foram estilhaçados pelas pedradas de André Ventura, que conseguiu ripostar à altura, equilibrando um pouco um duelo que estava a perder aos pontos, no momento mais eficaz – pelo menos, para o seu eleitorado – do líder do Chega. A questão fiscal foi aquela em que Costa se saiu melhor – nitidamente, Ventura tem dificuldades em defender um programa económico-financeiro do Chega colado a cuspo – e o “tiro espanhol” de Ventura sobre o desemprego saiu-lhe pela culatra (como veremos adiante). Na questão dos impostos, Costa aplicou um murro no estômago de Ventura, confrontando-a com a sua transição de inspetor fiscal para as funções de aconselhamento “a quem quer fugir aos impostos” – matéria factual a que, por mais voltas que dê, o candidato da direita radical não consegue escapar. Ao mesmo tempo, Costa marcou uma diferença relativamente a Rui Rio: “Não estou aqui para o moderar. Comigo, não passa.” Não é a primeira vez que o líder do Chega tem a sorte de falar em último lugar o que, talvez por que saiba que o adversário já não vai responder, lhe permite equilibrar um debate que, momentos antes, parecia ter perdido. Como será quando for um adversário a ter a última palavra?…
VACINAÇÃO
António Costa confronta Ventura diretamente com a sua opção. Respaldado na quase unanimidade nacional de aceitação da vacina, o secretário-geral do PS fala do exemplo que deve ser dado pelos políticos e pergunta, com ar cândido, alegadamente, para prestar o esclarecimento possível, que dúvidas teria Ventura sobre a vacina, “obrigando” o adversário, depois de muito tergiversar, a dizer que sim, senhor, que a vacina é necessária e que pretende vacinar-se. Costa nunca largou o osso, até Ventura ceder. Depois, foi só “passear” sobre a gestão da pandemia, o “apoio às empresas”, a “manutenção do emprego”, o “sucesso da vacinação”, etc., sem grande contraditório de Ventura, exceto quando este falou da dificuldade dos hospitais na resposta a outras morbilidades.
António Costa: “Não estou aqui para o moderar. Mas, relativamente à vacina, quais são as dúvidas que ainda tem?”
André Ventura: “O que os portugueses querem saber não é se eu estou vacinado ou não, mas se têm médico de família amanhã!”
IMPOSTOS e DESEMPREGO
Na habitual bandeira da direita – mas sem que, neste campo, se distinga muito da IL ou do CDS – André Ventura traçou um quadro negro da carga fiscal que asfixia as empresas. Mas, quando António Costa diz que não aumentou impostos e se ouve o riso irónico de Ventura, o socialista abre um parêntisis e lembra que foi o seu Governo a baixar o IVA da restauração. Ventura podia ter contra-atacado com o aumento dos impostos indiretos, mas tinha soundbytes mais importantes para debitar, em matérias que lhe convêm mais (menos técnicas…). E, assim, bem preparado para este formato de 25 minutos, soube fazer as suas opções.
Ao dar, de forma temerária (visto que se subentendia o elogio a um governo socialista) o exemplo espanhol, que baixou 20% o desemprego, André Ventura foi para fora de pé. Costa corrigiu a ideia, demonstrando que o desemprego, em Espanha é de 14%, contra os 6,7% em Portugal. Mesmo o espetador com maior iliteracia estatística percebe a diferença, e intui que é fácil baixar 20% quando a taxa é enorme – sem que, necessariamente, a situação melhore para níveis ideais ou, pelo menos, comparáveis à situação portuguesa. Mas o principal trunfo de Costa surge com o indesmentível facto de que Ventura ainda é um inspetor tributário – tirou licença sem vencimento – e que suspendeu as suas funções na Autoridade Tributária para entrar numa empresa de consultoria fiscal. Ou seja, disse Costa de passagem, sem alterar a expressão fisionómica, “deixou de fiscalizar o pagamento de impostos para aconselhar quem quer fugir a eles”. No conjunto dos temas, este foi o momento mais difícil para André Ventura. Ao mesmo tempo, Costa deixou bastante claros os problemas de desigualdade que uma taxa única de IRS provocaria, sem que Ventura, escudando-se na “graduação” da medida, se explicasse em condições. Por isso, contra-atacou com os gastos em pessoal político, embora sem nunca apresentar as contas: afinal, extinguir “metade” dos cargos políticos (não sabemos quais…) significa quanto, em dinheiro? Compensará a perda de receita inerente à proposta do Chega? Mais tarde ou mais cedo alguém lhe vai pedir essa estimativa…
António Costa: “Deixou de fiscalizar a cobrança de impstos para ir dar conselhos a quem quer fugir aos impostos.”
“Mostra muitas fotocópias e pouca realidade [comentando a quantidade de recortes que Ventura leva para os debates]
CARGOS POLÍTICOS
Passou bastante bem a mensagem de Ventura sobre a quantidade de nomeações que os governos do PS têm, historicamente, feito. Um ponto incómodo para Costa, que estaria a pensar na penetração deste discurso, junto do português médio. Muito eficaz, Ventura exibiu uma notícia em que, feitas as contas, os socialistas gastaram 11 milhões em nomeações – tendo, depois, feito a ligação demagógica aos “duzentos e tal euros” que ganha um bombeiro “ferido em Pedrogão”. Mas Costa, apesar de tudo, evitou o knock out com a seguinte frase “assassina”, igualando, em demagogia e “frase de efeito”, o seu adversário:
António Costa: “Quer acabar com cargos políticos, mas não há cargo político a que não se candidate. Deputado, Presidente da República, autarca…”
CORRUPÇÃO
Quem puxou a conversa foi António Costa, tentando desmontar uma parte do discurso de Ventura. Mas este foi a fase mais defensiva do primeiro-ministro que “foi ministro de Sócrates”. Em dois momentos, Costa furou o cerco: quando exibiu legislação contra o terrorismo, branqueamento de capitais e corrupção que assinou quando foi ministro da Justiça de António Guterres e quando perguntou a Ventura: “Onde é que o senhor estava no dia 19 de novembro?”, para frisar que Ventura faltou à votação do recente pacote de medidas de combate à corrupção, aprovado por unanimidade, na Assembleia da República. “O senhor, no momento da verdade, falta!”, atirou. No mais, e no que diz respeito a esta tema, Ventura foi um peixe na água, falando daquilo que é o seu principal gancho para seduzir o eleitorado. E o passado do PS em matéria de processos por corrupção, que implica mais socialistas do que miltantes de qualquer outro partido, não ajudou Costa e resultou num “regabofe” para André Ventura – e, não por acaso, foi o tema que escolheu para encerrar o debate.
André Ventura: “O senhor devia pedir desculpa aos portugueses pela corrupção dos socialistas!”
António Costa: “O senhor fala, fala, fala, mas não está, no momento da verdade” [referência à falta de Ventura na votação do pacote anti-corrupção].
Em conclusão, o debate serviu para que um experiente e bem preparado António Costa colocasse a nu algumas fragilidades de Ventura – “o problema de partidos como o Chega é que pegam num caso particular e fazem uma generalização, dividindo entre os bons e os maus”, lembrou – mas não bastou para esvaziar o balão do Chega, que fixou o seu eleitorado, com muito suporte no “material de apoio” da “escola Pedro Guerra”: exibição de fotos e recortes em catadupa – as “muitas fotocópias” que deram a Costa um dos seus momentos de ironia mais conseguidos.
Na verdade, este era o debate mais difícil para ambos – embora, contra Cotrim de Figueiredo, André Ventura tenha ainda de passar por nova prova de fogo. É no próximo domingo, dia 9, na RTP 3, às 22 horas. E Costa não pode dar por favas contadas o debate com Rui Rio, apesar da fraca prestação do líder do PSD até agora. Em 2019, foi Rio quem levou a melhor… Dia 13, às 21 horas, nos três canais abertos, com a duração de 75 minutos.