Independentemente do que sair das urnas, no domingo, Rui Rio já foi obreiro de um pequeno milagre interno: mostrou um partido unido, perante as câmaras, mobilizado, e já a festejar a tão desejada vitória, de que, aliás, o líder laranja está convencido; embora as sondagens mostrem PSD e PS taco a taco. A tradicional arruada do Chiado vai ficar para a história como um momento de apoteose, que impediu até os mais próximos de Rui Rio, como o secretário-geral do partido, José Silvano, de descerem até à Rua Augusta na bolha do desfile, tal não era a ânsia dos que até aqui vieram para trocar nem que fosse um gesto com Rio.
Maria Pacheco, 78 anos, encostada à igreja da Nossa Senhora dos Mártires, com uma gerbéria laranja na mão, estava a acabar de almoçar quando “o senhor da televisão” lhe disse que Rui Rio estaria às 16:00 no largo do Chiado. E pensou “já que estou aqui sem fazer nada, vou até lá ver se o vejo”. Dito e feito, apanhou um autocarro na Penha de França, onde mora, para ver se conseguia um diálogo, mesmo que pequeno, com o presidente social-democrata, que lhe clarificasse as ideias e acabasse com a sua indecisão sobre onde colocará a cruz no boletim de voto, no domingo. Mas regressou a casa com o mesmo grau de esclarecimento. Nem Maria, nem nenhuma das outras pessoas que se cruzaram com o líder pôde chegar até Rui Rio, protegido pelos seus seguranças e por um cordão sanitário formado pela juventude social democrática. Nem uma simbólica troca de palavras com nenhum comerciante, nem com quem ia passar, as palavras de Rio foram todas parar aos ouvidos de Moedas e uns agradecimentos para a antiga ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite e para o antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, que se juntaram à caravana no último momento da campanha, que contou ainda com a presença de Jorge Moreira da Silva, David Justino, Teresa Leal Coelho, José Silvano, Salvador Malheiro, André Coelho Lima, Paulo Mota Pinto e Assunção Esteves.
Sem disfarçar o entusiasmo, mesmo por trás da máscara, Rui Rio desceu a Rua Garrett, a ouvir gritos de “vitória, vitória, vitória” e que “nós só queremos o Rio a PM”, enquanto pisava confettis cor-de-rosa, a única prova da passagem dos socialistas por aqui, duas horas e meia antes. Chegados aos Armazéns do Chiado, a comitiva que guiava o líder contrariou o percurso habitual e, propositadamente ou inconscientemente, virou à direita em vez de à esquerda, para a Rua Nova de Almada, onde apanhou a Rua de São Nicolau até à Augusta, onde o esperava um palco para vaticinar que estava a “terminar aquilo que começámos nas Autárquicas”. “Chegou agora o epilogo para conseguirmos aquilo que mais queremos: substituir o PS na governação do país pelo PSD”.
Convencido de que a vitória será sua, Rui Rio criticou Costa por ter feito uma campanha baseada em “mentiras”, sem conteúdo, dando continuidade a uma série de promessas que não conseguiu cumprir até aqui, como o acesso universal a médicos de família. E que foi “preciso descaramento para dizer que o PSD está refém da extrema direita, quando foi o PS que andou a fazer acordos com o Chega em autarquias como a do Entroncamento e da Moita”. “Nós não abrimos a porta aos extremos”, declarou, quando ao fundo ecoavam os bombos da campanha do Chega, que partiu do Chiado, uma hora depois dos sociais democratas, e chegou à Rua Augusta já estava Rui Rio a discursar.
“O PS optou por mentir para incutir o medo. Merecem perder, quando é assim que procuram fazer uma campanha eleitoral”, continuou o presidente do PSD, secundado pela multidão a perder de vista que encheu a Rua Augusta e que repetia “o povo não esquece que a culpa é do PS”. Já antes, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, tinha deixado um ultimato aos socialista, os “donos disto tudo”, que, acredita, vão perder já no próximo domingo. “O que sentimos na rua é inquestionável”, disse, lembrando que “há quatro meses e quatro dias estávamos aqui a descer o Chiado, quando ninguém acreditava. Foi aqui que começámos os Novos Tempos [o lema da sua campanha]. Foi aqui que sentimos que íamos ganhar. E foi, por isso, que ganhámos. Hoje voltámos a sentir esse sabor da vitória. As pessoas estão cansadas daqueles que pensam que são os donos disto tudo. Não são e nós vamos tirá-los de lá. O país quer Rui Rio à frente do Governo”.
Só cabeça de lista por Lisboa, o médico e deputado Ricardo Batista Leite, foi mais comedido, tendo admitido que “isto está taco a taco”, com o PS, apelando de seguida ao voto para que possam concluir “a mudança”. Quando Rui Rio já dá essa mudança por certo. Se a festa foi ou não precipitada só o saberemos no próximo domingo.