Ou é o peso de tantos quilómetros nas pernas ou o facto de as palavras de António Costa lhe parecerem facadas no peito; ou as duas, simultaneamente. A verdade é que apesar de uma sondagem a colocar o PSD à frente do PS, pela primeira vez desde o início de 2018, quando chegou a presidente social-democrata, não foi o suficiente para, ao final de nove dias de campanha, Rui Rio ter continuado a mostrar o ar confiante que vinha cimentando desde que arrancou para a volta ao País.
Numa longa arruada em Beja – que pouco teve desse formato, tendo em conta que a caravana deu uma volta inteira ao casco antigo da cidade e voltou ao ponto de partida – e mesmo com o aparelho laranja local a dar sinais de boa capacidade de mobilização num território de esquerda, o líder do PSD não esteve para festejos esta terça-feira. Aproveitou antes para não esconder o desconforto com as declarações com que António Costa o tem brindado e ao programa do PSD: “não sei se consigo chegar até quinta-feira a dizer que ele falta à verdade, em vez de dizer que ele mente”.
É indisfarçável para Rio o desconforto quando não digere ataques do líder socialista – e essa sinceridade, ou “sincericidio”, como disse uma bejense, até lhe merece elogios nas ruas. Mas, a três dias do sábado de reflexão, com Costa a admitir que uma maioria absoluta será difícil de obter e a abrir uma janela para o regresso de uma nova Gerigonça, o líder do PSD terá visto em flashback os acontecimentos de outubro de 2015, em que Passos foi ultrapassado à esquerda depois de ter vencido as legislativas, e apelou ao opositor que, se perder, saia “com dignidade” de cena. ”Por aquilo que fez ao longo da sua vida política, António Costa tem uma carreira política muito longa, podia perder as eleições com dignidade”, defendeu.
Falta de ouvidos para tanto
Assim que saiu do carro, num círculo onde a última vez que o PSD elegeu um deputado foi ainda em 2015, com a coligação PSD/CDS, Rio mostrou-se circunspecto, contrariando aquela que foi a sua postura 24 horas antes, em Évora.
Ao lado do empresário agrícola Henrique Silvestre Ferreira, que volta a ser a sua aposta como cabeça de lista em Beja, Rio mostrou um certo alheamento enquanto caminhava pela cidade. E até nem houve motivos para tal, porque as reações foram bastante positivas, desde o proprietário da casa da sorte mais antiga da capital do Baixo Alentejo até à naturopata Ana Paula Martins; à exceção da proprietária da frutaria A Horta – “O senhor saia-me daqui que nesta casa não entram mentirosos”.
Por isso, a maior parte da arruada, que foi quase um jogging de início da tarde, foi feita com Rio cabisbaixo, olhos no chão, e com o cabeça de lista em Beja colado aos seus ouvidos – principalmente ao do lado direito- relatando todo o tipo de maleitas que afetam o distrito, principalmente os maus acessos rodoviários e ferroviários de acesso à capital alentejana e o eterno problema do aeroporto. Mesmo quando parou longamente para tomar uma água, e mostrou um cansaço ao baixar a máscara, nem aí Henrique Silvestre Ferreira deixou de manter pressão sobre o líder.
Volta e mais meia volta; vira ali e torna acolá, Rio percorreu a zona história e acabou a visitar a velhinha sede da distrital do PSD, instalada junto ao Teatro Pax Julia e na qual os dirigentes locais não deixaram de querer mostrar a degradação muito avançada em algumas das salas – com o teto falso a cair literalmente. No espaço, pela qual os sociais-democratas bejenses pagam 37,5 euros de renda por mês, há muitas fotos nas paredes – de passados mais antigos, de outros mais recentes -, mas nenhuma em destaque de Rui Rio, líder já há quatro anos.
“Deturpar, deturpar, deturpar”, aponta Rio a Costa
O desconforto de Rio durante a arruada deixou implícito que é sinal de incómodo, pelo facto de “que a campanha esteja a baixar de nível”, com o líder do PS a expor alegadas fragilidades no programa eleitoral laranja.
“Não sei se consigo chegar até quinta-feira a dizer que António Costa falta à verdade, em vez de dizer que ele mente. É lamentável que pegue no nosso programa, e em entrevistas minhas, e distorça tudo para enganar os portugueses: que queremos colocar a Segurança Social na Bolsa, que queremos por as pessoas a pagar o SNS além do que já pagam através dos seus impostos; e agora, disse, que as pessoas que indiquei para os conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público eu não as conhecia”, lamentou, acusando Costa de estar “permanentemente a deturpar, a deturpar, a deturpar”. “De uma coisa ele pode ter a certeza: eu não vou deturpar nada do que ele diz, não vou pegar no programa do PS, não me vou pôr a colocar nada do que lá não está, não vou inventar”, acrescentou.
Segundo Rio, António Costa “está, efetivamente, na eminencia, de perder as eleições”. “Acho que ele, por aquilo que fez ao longo da sua vida política, tem um carreira política muito longa, podia perdê-las com dignidade. Espero que aproveite os últimos dias para, no caso de as perder, que é bem provável, que perca com dignidade; que não ande aqui a amedrontar as pessoas, a dizer coisas que eu não disse, a dizer que eu menti aqui quando não menti, e é isto que é lamentável”, disse, assumindo que tentou dar “um certo tom de humor aqui e acolá”. Mas que não valeu a pena. ”A última coisa que queria é que acabássemos a campanha desta forma”, afirmou.
Em causa estão declarações do socialista, acusando o PSD de esconder o seu verdadeiro programa de Governo, que visará desmantelar a Segurança Social ou o SNS.
“António Costa tem deturpado aquilo que está no programa, esforça-se por dizer que está no meu programa aquilo que lhe dava jeito que estivesse e não está. E dava jeito que estivesse para dizer que estou muito à direita. Mas o PSD não está à direita. Está ao centro. É um partido equilibrado”, explicou, chutando para o PS o facto de não ter cumprido “uma série de compromissos” que fez em 2019.
Receio de reviver o outubro vermelho de Passos
Rio também lamentou o que chamou de “ziguezagues” de Costa, por agora ter feito “uma aproximação à aproximação que o BE lhe vinha a fazer desde o início”, depois de ter andado a pedir uma maioria absoluta. Ou seja, a possibilidade de uma nova Gerigonça surgir tal como a de 2015, quando Passos ganhou as eleições.
“Agora, António Costa já fala com toda a gente, também com o BE. Não sei como é que conseguem reerguer a Gerigonça, na exata medida em que o BE e o PCP fizeram determinadas reivindicações para aprovar o Orçamento de 2022 – reivindicações que aliás, nem tinham a ver com o orçamento e em que António Costa não cedeu. Por isso é que estamos em eleições. Vamos fazer eleições a 30 de janeiro, e depois em fevereiro ou março o PS já está disponível para dar aquilo que não estava disponível há dois meses? Mas então, se era para dar, tinha dado há dois meses, e não íamos para eleições, nem criava esta instabilidade”, lamentou Rio, para dizer que a Costa não resta “quase nenhuma” outra solução que não a de aceitar uma eventual derrota.