Quinto-dia. Não se sabe se era do calorzinho que se fazia sentir no pico da uma da tarde, daquele que dá uma sensação de preguiça principalmente quando o céu está assim tão limpo, ou porque a maioria já estava a almoçar ou até se o povo eborense é naturalmente um mix entre o apático e o acanhado, a verdade é que mais um dia da campanha de António Costa, agora na cidade Património Mundial controlada pelos comunistas, aconteceu. Mas podia não ter acontecido; não fosse o aparato de jornalistas e de militantes, e apoiantes na caravana, a coisa, esta quinta-feira, tinha passado sem qualquer frenesim, ao contrário do que aconteceu na outra capital concorrente alentejana, Beja, gerida por socialistas, que, na quarta-feira, disse ‘presente’.
Primeiro ato: arraial sem gás
Apesar de uma certa indiferença popular, que acompanhou a arruada que saiu da Praça 1º. de Maio, atravessou a Praça do Giraldo e acabou no casco antigo, Costa insistiu, acompanhado pela mulher, Fernanda Tadeu, e teve o grande mérito de ter arrancado algumas reações: de um grupo de argentinas, que sabiam quem era o primeiro-ministro português; de um outro argentino, que quis tirar uma selfie; de uma estudante da Ericeira, que está na Universidade de Évora mas quer sair dali rápido [ora, porque será?]; de três jovens ligadas a uma organização não governamental de apoio a vítimas de violência doméstica, que terão sido convidadas para ali estar por uma dirigente do PS que durante toda a tarde aplaudia com frenesim Costa e Capoulas antes destes terminarem as frases; de um sem abrigo, a quem o socialista recomendou insistir com a Segurança Social por uma resposta; da meia dúzia de trabalhadores, que lá esboçaram um sorriso [o mais aberto foi o de um funcionário da recolha do lixo]; de cinco miúdas tontas, das quais uma delas tirou uma selfie e que fugiu de costas à gargalhada, sem um obrigado sequer; e de duas idosas – uma delas, a dona Alexandrina de Fátima de seu nome, antiga funcionária da antecessora da Nacional, a Companhia Industrial de Portugal e Colónias.
Aliás, aquela idosa quando abordou o líder socialista parecia alguém muito revoltado (“Tenho uma reforma de miséria, veja lá se aumenta isto”). Mas depois: “Nah menino, eu vou votar nele [Costa]. É o único que se aproveita. Agora; aquele do Chega? Não me parece”, explicou à VISÃO, acelerando logo o passo para a Farmácia Rebocho Pais, onde arregimentou uma outra idosa e, que em coro, manifestaram ali o apoio ao PS. “Esteja descansado que eu vou votar em si”, gritou para Costa, quase no final, já depois de uma funcionária do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo ter dito que a Tutela “não quer saber da Cultura para nada”. “Mas o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) prevê uma dotação, exatamente para o museu”, contrapôs Costa. “Mas não tem funcionários. São três – mostrou os dedos – vigilantes para um museu daquele tamanho”, disparou a transeunte. “Tenha lá calma”. “Eu estou calma”, retorquiu, descartando a explicação de Capoulas Santos, o cabeça de lista do PS em Évora e antigo ministro da Agricultura, de que o museu fora reabilitado com milhões. “Mas isso foi em 2009”, concluiu a eborense.
A verdade é que quando o principal opositor de Costa souber como arrancou este dia em Évora não se pode rir, porque, nas Legislativas de 2019, não lhe correu nada melhor. Rui Rio só teve mais gente na caravana, numa tarde de sol, e o PSD na altura contou com uma tuna que animou a Giraldo. Mas também se viu aflito para conseguir que alguém aceitasse uns lápis do PSD [longe vão os tempos das esferográficas e dos porta-chaves]. Na altura, pensou-se que o problema estava nos lápis em plena época dos smartphones. Pelos vistos, não. E, na próxima segunda-feira, o PSD até está ali, numa cidade cuja principal capela tem como lema “ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”. (Fica o aviso…)
Segundo ato: combater um comunista na TV
À VISÃO, Capoulas Santos, figura socialista maior da região, admitiu que a hora da arruada – que chegou a estar agendada para as 12h45 horas mas que começou quase 30 minutos depois – pode não ter sido a melhor. “Grande parte do comércio já estava a fechar para o almoço”, adiantou o deputado, que se tornou o anfitrião de Costa na cidade e na região ao longo da tarde e a que o líder do PS deixou brilhar, e até emocionar-se.
O antigo ministro da Agricultura bate-se contra o principal concorrente, o comunista João Oliveira, que se conseguiu eleger à tangente, em 2019, e ficou com o PSD a apenas mil votos. O PS levou a melhor, ao conquistar dois dos três deputados que o círculo mete no Parlamento – e com sorte tinha ido ao terceiro Para Capoulas, o facto de o líder parlamentar do PCP não andar em campanha na região, porque está dedicado a substituir Jerónimo de Sousa, não é um cenário de favas contadas.
“Não se pode comparar o trabalho no terreno que faço e estou a fazer – com grande afinco, a percorrer cada uma destas terras que conheço tão bem – com alguém que, pá, aparece todos os dias na TV. Está a ter uma visibilidade enorme”, explicou, à margem da apresentação do novo Hospital Central do Alentejo, em Évora, que já arrancou e cuja construção estará concluída até ao final de 2023, para começar a funcionar no início de 24. O ex-governante defendeu que foi o PS que resolveu o impasse em que este projeto ficou quando Passos Coelho chegou ao poder, em 2011, ao ponto de ser terem “perdido fundos europeus para a sua construção, em 2014”.
Segundo António Costa, que no início da tal arruada comentara com Capoulas o insólito momento em que vive a campanha da CDU [“coitado”, disse o líder do PS, à boca pequena, quando o ex-ministro aludiu à doença de Jerónimo e da Covid-19 de João Ferreira], houve uma “paciência dos alentejanos, por, durante décadas, terem visto frustrada esta expetativa”. “Finalmente quebrou-se o enguiço”, apontou, sobre o hospital que disse vir a ser um projeto de charneira, já que irá ter associado a futura Faculdade de Medicina da Universidade de Évora, que o Governo conta que venha a ser criada.
“Ao longo dos últimos seis anos, reforçámos o SNS com mais 28 mil profissionais, em termos líquidos, entre os que entraram e os que saíram. E ainda agora em janeiro entraram ao serviço mais 1200 novos médicos com formação geral; o que implica investir nas carreiras, mas também haver projetos mobilizadores que atraiam profissionais de saúde para o SNS e este equipamento é muito importante como ancora para o projeto com a Universidade de Évora, que é criarmos uma nova faculdade de Medicina – porque o País precisa de mais médicos e mais formação”, traduziu, após uma visita ao terreno de perder de vista de 24 hectares, que fica nos arredores da cidade, e onde afirmou que, com este hospital, “a luz brilha para todos nós” [a letra do Avante, hino do PCP, é “e o Sol brilhará para todos nós”].
Terceiro ato: mostrar obra e exorcizar fantasma de Cabrita
A tarde ainda daria para mostrar mais obra feita, alguma em relação à qual Capoulas pôs a assinatura quando era ministro, como o reservatório do Espinheiro, um espelho de água criado graças ao Lago do Alqueva e que permitiu ter ali um projeto inovador de rega. O ex-governante só não puxou mais pelos galões porque à sua frente estava a atual ministra da Agricultura, Céu Antunes – que, constou na altura, foi a escolha de Costa perante a recusa de Capoulas, quando soube que perderia a tutela das florestas para a pasta do Ambiente.
Ainda assim, depois de sinalizar que “bombas a motor” que permitem extrair água do Alqueva num dos pontos custam – cada uma – cerca de 20 milhões de euros ao Estado, Capoulas acenou com o que poderá ser um regresso do PSD ao poder e ao facto de se ter acabado em novembro “um projeto [político] para quatro anos”. “Ainda me lembro que Cavaco Silva, numa visita a Reguengos [de Monsaraz] disse que o Alqueva não valia a pena ser construído e que, com esse dinheiro, se podiam construir escolas, hospitais…”, criticou.
A luz do dia ainda permitiria, já numa cooperativa em Reguengos, ao secretário-geral do PS exorcizar o fantasma do caso Cabrita à beira das eleições, depois de o Ministério Público ter pedido o levantamento da imunidade parlamentar do ex-ministro, que voltou a ser deputado com a sua demissão do Governo, para o ouvir sobre o acidente na A6. “As pessoas já se habituaram a uma ideia, que é muito importante num Estado de direito democrático: à política o que é da política e à Justiça o que é da Justiça”, disse, sempre acompanhado da mulher, Fernanda Tadeu, que, após ter-se mostrado mais ativa na quarta-feira, quando entrou na campanha, fez por estar mais discreta. Mas que prova ter um grande à vontade nestas lides e criar empatia nas arruadas. “Está muito calor”, chegou a repetir algumas vezes – numa delas até se chegou a sentar na Praça do Giraldo – enquanto acompanhou Costa por aquelas terras vermelhas.