Em 145 anos de história, muitos foram os partidos e políticos que passaram pelo Mercado do Livramento, em Setúbal. Só hoje, foram três: o “cabeça de cartaz” CDS de Francisco Rodrigues dos Santos; mas também o RIR de Vitorino Silva e o MAS de Renata Cambra.
E, desta vez, durante hora e meia, a dona Dina, que vende fruta e legumes numa das esquinas a meio do espaço, não foi a Dina mais ouvida do mercado, pois a visita do “enérgico” Chicão – sempre ombro a ombro com Cecília Anacoreta Correia, cabeça de lista pelo círculo eleitoral de Setúbal – nunca abdicou de banda sonora: o hino do partido na voz da cantora e compositora falecida em 2019.
Fosse ou não pelos dois cafés e uma ginjinha, tragados de rajada, logo a abrir a visita, a verdade é que Francisco Rodrigues dos Santos se sentiu (ou pareceu sentir) como “peixe na água”. Não poupou nos apertos de mão, nos abraços e nos beijinhos. Posou com um chapéu de cowboy. E ainda teve tempo para dar dois passinhos de dança… “Não estará a abusar do café?”, perguntou-se. “Não, não! Precisamos de toda a energia”, disse o líder centrista, enquanto distribuía canetas e flyers, e respondia aos lamentos populares apelando a um voto “de esperança” e “de mudança” no CDS – num distrito que não tem sido “amigo” do partido. E onde, há dois anos, não elegeu, ficando-se apenas pelos 11.700 votos (como sexta força política, atrás do PAN, que teve 17.500 votos e colocou Cristina Rodrigues no Parlamento).
O “pedido de desculpa” do PM “papão”
Os números de 2019 não parecem, porém, assustar Francisco Rodrigues dos Santos, que insistiu no que diz ser “um sentimento de mudança” que tem vindo a crescer e a observar durante a campanha. “Tenho notado uma grande simpatia e compreensão por parte dos portugueses em relação às propostas que o CDS tem para Portugal. Há um grande sentimento de mudança e apelo ao voto no CDS, que é o voto certo para quem quer um Governo de direita em Portugal. O voto no CDS é um voto de mudança, para libertar o País de António Costa e do PS”
Os sorrisos e elogios só cessaram com Costa à vista. Era tempo de Chicão voltar à carga – pois no Mercado do Livramento, todas as palavras azedas estavam reservadas para o Primeiro-ministro. Em pano de fundo, as declarações de David Neleeman, antigo acionista privado da TAP, que, na véspera, tinha, nota enviada à Lusa, afirmado “esperar um pedido de desculpa” de António Costa, a quem acusou de proferir “afirmações falsas”, lesivas do seu “nome” e “reputação”, durante o debate com Rui Rio.
O líder centrista aproveitou a oportunidade para acusar Governo e PS de se terem tornado “no papão dos empresários”. “Os empresários vão para outros países porque acham que Portugal não é um País para empreender, porque o PS e a extrema-esquerda apostam num plano económico baseado em mais impostos, em taxar tudo o que mexe, o que acaba por dissuadir quem tem dinheiro de poder apostar e colocar o nosso País a crescer”, afirmou. Chicão concorda com Neleeman, mas pede mais: “António Costa deve pedir desculpa, não só a David Neleeman, mas a todos os portugueses”, disse.
“Incompetência socialista”. Chicão quer eleições em dois dias
“Setúbal, alerta! Chegou a direita certa!”. A comitiva de Francisco Rodrigues dos Santos não deixou ninguém indiferente. “Ai, filha, tanto barulho, há uma hora que estamos nisto”, queixava-se Isabel, com dois enormes robalos à sua frente. “Vota CDS?”, questiona-se. “Não, não, mas acho-o [Francisco Rodrigues dos Santos] muito simpático. Da televisão, até pensava que era mais alto. Mas é simpático”, sublinhou.
No Mercado do Livramento, houve cordialidade, mas não foi fácil encontrar quem assumisse colocar a cruzinha no CDS – tarefa quase diametralmente oposta a encontrar um “ferrenho” do Vitória da terra, histórico do futebol português (nunca nada foi mais fácil). “O Vitória tem de voltar à primeira divisão!”, gritou Chicão. Uma, duas, três vezes, as que fossem preciso, insistindo na ideia sempre que via uma bandeira, poster ou emblema alusivo ao clube (e até se perder a conta). Aí está uma questão, que colheu unanimidade.
Mas se os eleitores centristas escasseavam, a boa-disposição mantinha-se. “Não faz mal, amigos na mesma”, respondia o líder centrista à sinceridade. E foi, precisamente, sobre quem vota – ou, aliás, como vota – que estavam reservadas as últimas declarações aos jornalistas.
O CDS não gostou da solução encontrada pelo Governo para os eleitores infetados ou em isolamento no dia 30 de janeiro – anunciada, hoje, pela ministra Francisca van Dunem, depois de avaliado o parecer pedido ao conselho consultivo da PGR, e que indica que os eleitores naquelas condições podem votar no dia 30 de janeiro, no período do final do dia (entre as 18h e as 19h).
Chicão não foi de modas. Lamentou a “incompetência socialista”, e avançou para outra solução: Uma votação em dois dias. “O Governo continua a correr atrás do prejuízo, e a correr de trapalhada em trabalhada. Se o Governo fizesse as coisas a tempo e horas, podia ter alterado a lei eleitoral, permitindo que as eleições decorressem em dois dias: dia 29, para infetados e confinados, e dia 30, para a população em geral, garantindo que todos os portugueses tivessem o direito constitucional ao voto. Assim, reina a incerteza e a insegurança”, afirmou.
O líder partidário colocou mesmo em cima da mesa a possibilidade de, a pouco mais de uma semana das eleições, “a comissão permanente da Assembleia da República ainda se reunir” para encontrar “respaldo constitucional que permita alterar a lei eleitoral”. “A solução ótima era a votação decorrer em dois dias”, defendeu.
Ainda com gás. E mais agenda pela frente, Francisco Rodrigues dos Santos despediu-se dos comerciantes e clientes do Livramento com diálogo animado, com idoso: “Tem-me visto na TV? Olhe, ainda bem, é sinal que estamos os dois vivos”. No próximo dia 30 de janeiro, veremos se CDS acompanha tamanha vitalidade.