Já passaram quase dez dias sobre o frente a frente de Rui Rio com André Ventura, em que o primeiro não foi claro sobre o que pensava acerca da proposta do Chega quanto à prisão perpétua, e António Costa não perdeu a oportunidade, perante uma plateia de quem se bate pelos direitos humanos, de voltar a cavalgar a polémica que o líder do PSD não conseguiu enterrar – mesmo depois de ter tido essa oportunidade. O recandidato a primeiro-ministro lamentou que o líder laranja tenha aberto tal “brecha”, deixando-se condicionar pela extrema-direta.
Ao segundo dia de campanha, vindo dos Açores para Lisboa, o secretário-geral do PS chamou a atenção que “este momento é particularmente claro que muito daquilo que achávamos como adquiridos civilizacionais verdadeiramente não o são”. “Temos assistido até em Portugal a uma crescente presença de posições que têm a sua raiz no desrespeito pelo valor fundamental e dignidade da pessoa humana, que é o entendimento da igualdade”, disse, no Teatro Thalia, nas Laranjeiras, depois de ser questionado por um painel de seis ativistas e investigadores mas não sobre este tema.
Para Costa, “esses movimentos de extrema-direita, o maior perigo que têm, e representam, é quando conseguem condicionar os partidos tradicionais, do sistema, democráticos, do centro”.
“Quando começam a mitigar e a querer normalizar aquilo que são propostas que tem uma raiz profundamente desigualitária e desrespeito pela dignidade da pessoa humana, depois começamos a abrir uma brecha que não sabemos como se vai desenvolver”, apontou, para clarificar ainda mais sobre o que estava a falar: “Quando se começa a achar que a prisão perpétua pode não ser bem uma prisão perpétua é o primeiro passo para começar a achar que o racismo não é bem racismo, que a xenofobia não é bem xenofobia, a homofobia não é bem homofobia, e que o reconhecimento da desigualdade de género não é bem o reconhecimento da igualdade de género”.
Ou seja, para António Costa, que deu como exemplo do trabalho socialista na área desde as quotas de género – implementadas por António Guterres – até ao facto de contar com uma ministra negra, “há valores que não são relativizáveis. Não são mitigáveis. Não são normalizáveis”.
Também sem referir o nome de João Cotrim de Figueiredo, mas aludindo a quem vem a terreiro nesta campanha com propostas sobre mudanças da gestão dos fundos da Segurança Social, para “confiar parte desses recursos ao mercado”, Costa avisou para os efeitos que semelhantes políticas tiveram em países como os Estados Unidos, em que milhares perderam os seus descontos com a crise financeira de 2008.
O socialista recomendou cuidado com “uns candidatos com um ar muito moderno; com umas ideias que parecem muito modernas”. Porque, frisou, “o que estão a querer impor é o fim de um sistema sustentável”, que “vai perigar o contrato geracional” estabelecido pelo “modelo da Segurança Social”, estabelecido no “compromisso das novas gerações” com os já que são pensionistas.
Ao longo de meia hora, Costa abordou várias políticas do seu Governo que visaram a igualdade, mas salientou que, apos ter sido elogiado por um ativista pelos exemplos de inclusão que deu com a nomeação de uma ministra negra e outra que assumiu ser lésbica, constituiu o seu Executivo sob o lema da “não exclusão”. “Nunca disse que compus [o Executivo] para que o Governo fosse diverso. Mas compus o Governo de modo a que não fosse um fator de exclusão. A primeira vez que tivemos uma ministra negra foi com este Governo; onde tivemos uma pessoa de etnia cigana, uma invisual e pessoas que se integram o universo LGBTI”, salientou.