Como assegurar a sustentabilidade da segurança social de forma a garantir uma pensão digna no final de vida? É a grande incógnita, mas a resolução não promete ser fácil. Manuel Caldeira Cabral, ex-ministro de Economia do governo socialista (2015-2018), que agora integra o grupo de trabalho recentemente criado para estudar novas fontes de financiamento da Segurança Social (SS), foi muito taxativo: “Não vamos ter ilusões. Os problemas vão estar lá e significa que se vai manter um esforço elevado de contribuições sobre quem trabalha, vai continuar a ter de ser fazer um ajustamento, para baixo e não para cima, na taxa de transformação de salários em pensões. Mas não se pode baixar os braços e temos de olhar para medidas de curto, medio e longo prazo que possam atenuar esse ciclo.”
Este foi um dos temas abordados na entrevista ao Irrevogável. O economista elencou algumas ideias, mas as soluções nunca serão fáceis e podem não ser suficientes. “De 4 ou 5 pessoas a trabalhar para cada reformado, vamos passar a ter duas… A solução é: ou pomos um peso muito forte sobre as pessoas que estão a trabalhar, ou temos de descer as pensões. Não há aqui um meio termo”, avançou. O problema é que um aumento das contribuições sobre os salários pode levar a uma saída do país e agravar a nossa competitividade. “Este seria o pior cenário possível”, admite.
Daí que seja necessário encontrar outras fontes de financiamento, como trazer para dentro do sistema pessoas que estavam à margem, alargando a base contributiva. Mas também deve passar por Portugal ter uma forte política de imigração, que chame pessoas qualificadas, que combata a baixa natalidade e a quebra da população ativa. “Temos de ter aqui uma política inteligente e ativa de atração de trabalhadores qualificados, à imagem do Canadá e Austrália, aberta, mas diversificada.”
Num tempo em que a robotização vai ser um imperativo na nossa indústria, taxar robots não é coisa que o entusiasme. A sua opção vai mais por taxar rendimentos de capital, sem que tal signifique optar por um modelo de capitalização da SS.
E atirou uma outra sugestão: “Neste momento temos falta de casas para os jovens. Se usarmos fundos da SS e tivermos um sistema de licenciamento aberto, em que a SS possa investir, fazendo complexos habitacionais com rendas controladas, encontrando aí um rendimento alternativo ao dos salários”, pode ser uma das vias a estudar. Este podia até “nem ser um investimento da SS. O Estado tem muitos edifícios devolutos e terrenos que podem ser fontes de financiamento alternativas”, apontou.
A dupla importância da imigração
Em vários momentos o ex-ministro reforçou a importância da imigração no nosso país. Desde logo, porque equilibra a balança entre os que entram e os que saem.
“Continuaram a sair jovens, mas muito menos do que saíam, reduziu para metade. Portugal passou a atrair mais imigrantes. Os sinais que temos é que está a entrar mais gente do que a sair. Portugal está mais atraente”, sublinha.
Para além da recuperação, confiança, segurança e qualidade de vida de Portugal, tal “aconteceu muito pela emergência das jovens empresas tecnológicas, que tiveram uma enorme capacidade de criação de emprego”. De acordo com o economista, que está igualmente no conselho estratégico da StartUp Portugal, estas empresas criaram, “entre 2017 e 2021, 50 mil postos de trabalho, quase todos com salários acima da media e uma enorme proporção deles para jovens”.
Do mesmo modo, os centros de tecnologia que vieram para Portugal, como a Google, criaram outros tantos empregos, o que pode ter “um efeito no aumento dos salários”.
O facto de tal não se ter refletido numa subida da produtividade, é que continua a ser “um grande mistério” e de certo modo “um paradoxo”. Mas que, em parte, pode ser explicado pelo “processo de ajustamento da economia a esta alteração estrutural brutal”, cujos efeitos foram “mais lentos do que se estava à espera”. E também de “subaproveitamento” do pessoal mais qualificado que integrou o mercado de trabalho, encarado ainda com a velha mentalidade, de alguns patrões e lideranças, de que “o rapaz é novo ainda está a aprender, quando pode ser exatamente o contrário”.
Fica o aviso: “Se não soubermos aproveitar o potencial desses jovens, outros e noutros países saberão fazê-lo e seria uma pena para Portugal”.
“Vamos ter um duro Inverno”, mas antes a Alemanha não reconheceu a importância de Sines
Quanto ao cenário internacional, no dia em que os Estados Unidos entraram em recessão técnica e a Alemanha pode ser o país que se segue”, Manuel Caldeira Cabral sublinha a “situação bastante estranha” que estamos a viver e o cenário “de grande incerteza”, perante “uma guerra que ninguém previa”, com todos os seus efeitos na energia, no custo dos alimentos, na inflação, com efeitos concretos no rendimento das pessoas e no custo de vida.
Pode haver recessão, mas não é certo em que países. E está positivo quanto a uma não fragmentação da Europa. Não virá da Alemanha, porque esta “não tem um problema de solidez financeira”. A Itália será outra conversa: já estava a ter uma recuperação económica fraca e com uma crise política, sem ter conseguido “estancar o endividamento” que continua alto e pode criar uma instabilidade muito forte, aumentando o fator de incerteza.
Acredita nos instrumentos de apoio encontrados pelo BCE, mas considera que “as taxas de juro estão ainda aquém do que vão ter de subir até ao fim do ano”, o que terá efeitos diretos nas contas das pessoas e se vai refletir, por sua vez, na economia de outros países, clientes de Portugal.
“Neste momento não há ainda o espectro de uma recessão. As previsões para o próximo ano estão a rever em baixo o crescimento, mas não colocam ainda o país em recessão”, sublinha. E aponta duas questões que nos diferenciam: “A recuperação do turismo” – um grande fator de crescimento, com um efeito de arrastamento noutros setores – e a menor dependência energética e uma boa capacidade de energias renováveis.
“Portugal não está de todo imune à crise, mas poderá ver o seu efeito mais atenuado, e o crescimento ser menos bom, mas ainda positivo”, aponta, como sendo o cenário mais provável.
A propósito da nossa menor dependência energética da energia russa, desvenda até algumas das conversas que teve com o ministro alemão quando era ministro da economia. Este menorizava, então, a importância de Sines como alternativa ao abastecimento de gás russo. “Quanto dinheiro é que se está a perder hoje por não se ter feito um investimento estratégico?”. Ouvidas hoje, estas conversas são uma verdadeira ironia, com desprimor para a posição alemã e a falta de visão estratégica da Europa. Mas, quanto a isto, o melhor é ver o vídeo ou ouvir o podcast da entrevista aqui incluídos…
Excedente orçamental: deve ser gasta em ajudas ou na diminuição da divida pública?
“Nos dois lados”, defende o ex-ministro. “Mas o governo deve-se precaver para uma situação mais difícil. Se estamos com uma recuperação que tem mais incerteza é mais importante dar aos mercados sinais de que estamos a reduzir a divida pública e de que o défice está bem controlado, para não termos depois uma pressão de aumento de juros que acabe por consumir esses recursos”.
É que a despesa do Estado não será imune à inflação. Se num curto prazo “houve um aumento da receita fiscal inesperado, que reduz o défice”, também vai chegar o momento em que “aumenta a despesa”. Poderá aumentar mais tarde, mas chegará lá.
Taxar lucros extraordinários?
Por haver tantas incertezas e tantas questões sem respostas, Caldeira Cabral não adere à tese de que os lucros extraordinários, sobretudo aqueles por conta do aumento do preço do combustível, devam ser taxados.
“Temos de ter cuidado”, apela. Pois quando o preço descer, pode ser usado o mesmo argumento, mas ao contrário. “Quando os preços diminuírem e houver uma perda de stocks terá de haver alguma compensação especial a essa empresas. Teria cuidado em fazer mexidas de impostos face a uma crise que ainda não se sabe muito bem quais são os contornos”.